quarta-feira, 28 de abril de 2010

O Melhor para a UFF: Excelência acadêmica e compromisso social

Por: Francisco de Assis Palharini
Bruno Campos Pedroza

O contexto de eleições e posse de um novo reitor é oportuno para refletirmos sobre os processos democráticos que escolhem os dirigentes universitários. Na UFF, costumamos escolher o Reitor através de consultas eleitorais e elas, muitas vezes, tendem a refletir as mesmas práticas utilizadas nos grotões deste país. Em geral, nossas eleições para Reitor são relativamente caras e de caráter populista. Quando há espaço para que oportunistas e despreparados dêem o bote a cada 4 anos, é sinal que há algo de impostura democrática neste processo. Uma universidade não pode ficar a reboque dos pequenos grupos que loteiam entre si os espaços de poder com uma perspectiva aparelhista. Há que se reconhecer, ainda, que o expediente da reeleição potencializa procedimentos grotescos e nocivos ao desenvolvimento institucional, como atualmente é fácil constatar. Aprofundar, portanto, o debate sobre os rumos do desenvolvimento da UFF faz-se imperativo, se queremos influir decisivamente nos rumos do desenvolvimento da UFF.    
As Universidades têm por função social colocar-se adiante do seu tempo para produzir e pensar o conhecimento de que a sociedade necessita para se desenvolver plenamente. Para cumprir este papel é preciso pensá-las de modo sintonizado com a contemporaneidade e com o contexto no qual desenvolve suas atividades. Aqui, destacamos algumas questões que entendemos como fundamentais se quisermos que a UFF avance efetivamente na direção da excelência acadêmica e do compromisso social.   
O esforço considerável realizado pelos docentes, servidores e estudantes na direção da excelência acadêmica e do compromisso social, apesar da ausência de um projeto institucional e do caráter arcaico da gestão mudou a configuração institucional e a natureza das demandas internas. Mas, a potencialização destes esforços encontra fortes resistências, pois os seus contornos são dados por setores descompromissados com o processo de produção do conhecimento. Assim, pode-se afirmar que a UFF, hoje, tem dificuldade, inclusive, de se reconhecer para enfrentar os desafios internos e externos. Consequentemente, as ações modernizadoras empreendidas pelos docentes, TA´s e discentes dão-se de modo disperso e desarticulado de um projeto que internacionalize a UFF e a insira entre as mais reconhecidas universidades.
Esta desarticulação denuncia a existência de uma cisão, ou dissociação, entre a gestão da UFF e a nova configuração institucional. Esta cisão é decorrente do encastelamento, na reitoria, dos setores político-institucionais interessados em criar dificuldades burocráticas para vender facilidades, em troca de apoio ao seu projeto de poder. Suas práticas de gestão caracterizam-se pelas relações políticas personalistas, de balcão e de que o direito tem preço. E, ao assim proceder, corrompem as relações institucionais e acadêmicas. Para viabilizarem-se politicamente, eles tomam para si fundamentalmente o comando sobre administração orçamentária, de pessoal, de serviços e da fundação de apoio, com algumas concessões à área acadêmica. Neste contexto, as relações internas são frequentemente tensionadas e conflituosas. A modernização pretendida não consegue emergir e o arcaico insiste em se fazer atuante. Evidências desta cisão e dos tensionamentos dela decorrentes manifestam-se nas diferentes dimensões institucionais.
Se considerarmos que o processo educativo está nas salas de aula, no modo de lidar com os problemas internos, nos exemplos dados nos espaços decisórios, cabe perguntar qual modelo de cidadania que praticamos e oferecemos aos estudantes? Se a UFF reproduz práticas políticas onde o direito tem preço ou é um favor, então quais as transformações que produz na sociedade? Afinal, é o papel transformador da educação que está em questão.
Quando o critério para a escolha de chefias, dirigentes superiores e intermediários, é o da troca de cargos por votos e não o de mérito ou capacitação da pessoa; cabe perguntar: de que adianta um servidor se qualificar para o exercício de uma função? Como profissionalizar a gestão? Como estimular as pessoas à um melhor desempenho? Como dar mais agilidade administrativa e reduzir a burocracia, se é justamente ela que justifica os cargos e gratificações que são trocados por votos?
Esperava-se que um conjunto de medidas complementares para o fortalecimento das Unidades fosse adotado em função da extinção dos Centros, mas não o foi, pois desarticularia os esquemas de manutenção do poder. Paradoxalmente, se a extinção dos Centros, ampliou a autonomia das unidades, por outro lado aumentou a dependência em relação à reitoria. Isto porque foram repassadas às unidades muitas das atribuições dos centros sem que ocorresse a contrapartida de recursos necessários. E, assim, incharam-se as pró-reitorias com recursos drenados da área acadêmica.
No CUV, órgão máximo de deliberação, a cisão se evidencia quando tomamos como referência suas pautas de decisão e os métodos utilizados para compor maioria. Debates sobre as questões principais da Universidade raramente estão presentes. A independência do Conselho é comprometida ainda mais quando seus membros ocupam cargos na administração com as gratificações correspondentes. Ou então pela designação de diretores biônicos. Isso para não dizer do medo de retaliação que permeia a decisão sobre como votar. A composição das chapas de representação docente é mediada pelos Diretores e reflete os interesses hegemônicos. A representação da comunidade, escolhida pelo próprio CUV, tende a ser constituída por docentes ativos e até por assessores do reitor, indicada por associações comunitárias de Xiririca da Serra.  
   No CEP, prevalece a discussão sobre o varejo acadêmico e não de políticas que alavanquem a instituição do ponto de vista da qualidade institucional. Não é a toa que em recente ranking do MEC ocupamos a 43ª posição nacional e última entre as IFES do Rio de Janeiro. Nele, até pós-graduação “paraguaia” é aprovada. Na sua composição predomina os indicados pelo Reitor. Os setores acadêmicos e democráticos  são sempre minoritários. Esta configuração lhe valeu o apelido de Conselho Chapa Branca.   
A participação no REUNI destacou-se pelo autoritarismo, ataque a autonomia do Conselho, pela implantação de modo subserviente em relação às metas, ausência de um projeto acadêmico, sem planejamento consistente, com promessas para todos, precipitação no cumprimento das metas, e, hoje, defasagem de 165 milhões para realizar o previsto (o que obviamente inviabiliza o cumprimento do acordado internamente), sem que tenha ocorrido qualquer tipo de definição de prioridades. A expansão proposta orientou-se pelo volume de recursos passível de ser obtido, e em nenhum momento pelas áreas que poderiam fortalecer a instituição, apesar dos inúmeros apelos de alguns setores do CUV. Em alguns locais, a expansão foi intensificada para viabilizar o cumprimento das metas acordadas com o MEC, apesar da infra-estrutura inadequada para a atividade pedagógica. Ao assim proceder, aprofundou assimetrias entre as áreas de conhecimento. Cabe perguntar: o que esperar para a UFF no cenário pós-REUNI? Como melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa? O que fazer com as salas de aula superlotadas, falta de funcionários, aumento da carga horária docente?
No HUAP promove-se a oposição entre ser um Hospital Escola, de referência e um Hospital Geral, como se um pudesse existir sem o outro. Modernizam-se instalações, mas reduz-se o numero de leitos e fecha-se a emergência. E, assim, desconsideram-se tanto os compromissos com a sociedade, quanto com a formação. Ignora-se a proposta de um Conselho Gestor. A escolha da Direção é tratada como troca de cargos por votos. A participação efetiva das áreas que compõem o HUAP e dos colegiados é sempre escamoteada. Assim, cabe indagar: como aprofundar a integração com o SUS?  Como ampliar os compromissos com a sociedade? Como fortalecer o caráter acadêmico do HUAP? Como humanizar o atendimento e as condições reais de trabalho?
No âmbito do financiamento institucional, a cisão também se evidencia em toda sua plenitude. A Comissão que cuida do PDI tem na sua composição uma evidente maioria administrativa. Os recursos que lhe são disponibilizados estão muito aquém dos recebidos pela UFF. O argumento é de que o reitor não quer ser uma “rainha da Inglaterra”. As complementações orçamentárias que a UFF recebe não são sequer informadas à Comissão. E 80% dos recursos são direcionados para a rúbrica despesa fixa, sem clareza do que isso significa.
A UFF é uma Universidade Pública, portanto tem o compromisso histórico de defender e privilegiar a educação gratuita em todos os níveis e de exigir os recursos necessários para atender seus compromissos sociais, bem como manifestar-se com altivez na defesa da autonomia pedagógica, administrativa e financeira. Para isso o posicionamento claro da reitoria, na defesa destes compromissos, é fundamental. Se, de fato, por conta das restrições orçamentárias e de pessoal, a UFF é obrigada a recorrer aos cursos auto-sustentáveis para atender demandas de vários setores sociais, faz-se necessário que sua adoção seja acompanhada de amplo controle social na sua proposição e execução, por meio de uma política que regule sua finalidade, natureza e oportunidade, além de oferecer bolsas sociais e qualificação para os TA’s. Mas não é isso que se observa.
Na esfera institucional, por conta da ausência de uma política clara, tratam os propositores de projetos como reféns da sua política de balcão. Foi neste contexto de ausência de políticas e mecanismos de controle social que, há doze anos, encaminhou-se no CUV um plebiscito sobre os cursos “pagos”. O caráter reducionista da decisão, que um plebiscito preconiza, exige um posicionamento, que no nosso caso alinha-se aos compromissos do ideal de Universidade Pública e da própria Constituição, mas que pode colocar a UFF na situação paradoxal de aprovar algo inconstitucional ou, então, de impedir a viabilização de demandas sociais e acadêmicas qualificadas. Mais um impasse gerado por uma reitoria incapaz de pactuar democraticamente soluções para os desafios institucionais que se apresentam.  
Recorrer à criação da FEC possibilitou facilitar o manuseio de recursos orçamentários e de projetos acadêmicos, mas sem dispor de um adequado controle social. Não entram em discussão os usos e abusos que se verificam nos projetos da própria reitoria. Trata-se dos projetos de “modernização administrativa”, promovidos por algumas pró-reitorias, verdadeiras pontes para bolsas e outros instrumentos de cooptação e clientelismo. É neles que se viabilizam os bolsalões ou a transferência de recursos públicos para a órbita privada. Se a FEC serve ao interesse público, porque insiste em afirmar sua natureza privada? Porque não é dada a transparência necessária aos seus recursos próprios (5%, aplicações financeiras dos recursos públicos, receita dos projetos por ela gerenciados). Porque a reitoria não se posiciona com altivez na defesa da autonomia financeira, administrativa e pedagógica? Porque não reivindicar para as IFES a mesma autonomia de que as Fundações dispõem?
Quando consideramos a dimensão do compromisso social, verificamos que ele se materializa nas ações de um contingente expressivo de docentes, técnico-administrativos e alunos. Mas, de novo, por conta das suas ações e do seu esforço. A gestão se interessa pelo volume de recursos á serem captados. Evidências neste sentido são inúmeras. Sublinhamos o episódio recente no qual pesquisadores respeitados realizaram diagnósticos que identificavam encostas habitadas com fortes riscos de deslizamento sob a ação de chuvas, locais onde as previsões se confirmaram e, principalmente em Morro do Bumba, em proporções trágicas. No entanto, o atual reitor lançou sombras de dúvida sobre estes estudos, desqualificando-os e, ao que parece, ofertando ao Prefeito de Niterói o ansiado alívio diante das reiteradas acusações de que vinha sendo alvo por não ter levado em conta as advertências desses especialistas. Com as sombras lançadas o Reitor atingiu frontalmente o principio da liberdade de pesquisa e da avaliação por pares. Que autoridade tem o reitor para dizer se um determinado trabalho de pesquisa está ou não de acordo com o que dele se requer? Isto deve ser objeto de discussão entre as partes e os pares (estudiosos do mesmo assunto).
Outra evidência também associada à tragédia que se abateu sobre Niterói, acima mencionada, foi o desrespeito para com as vítimas, ao inaugurar, com banda de musica e outros adereços, o serviço odontológico com banda de música e outros adereços. É este o modelo de cidadania e compromissos social que o Reitor, oferece a comunidade?
 Construir os caminhos alternativos implica em, necessariamente, promover o diálogo democrático entre os diferentes setores da UFF, na perspectiva de um projeto institucional que reflita os valores e metas que a comunidade aspira, que garanta o compromisso social da universidade, que valorize igualmente a graduação, a pós-graduação, a pesquisa e a extensão, que profissionalize os níveis intermediários de gestão e que incentive o esforço articulado entre docentes, técnico-administrativos e estudantes. Trata-se de pactuar de modo transparente e ético a reconstrução de uma universidade contemporânea, de excelência e com compromisso social.
Se quisermos de fato que a UFF seja reconhecida pela sua excelência acadêmica, e deste modo internacionalizada, impõe-se a necessidade de dotá-la de um projeto acadêmico pactuado democraticamente. Ele,  deverá priorizar a elevação dos conceitos de classificação e visibilidade social de todos os cursos de graduação e pós-graduação; reduzir as assimetrias entre as áreas; garantir para a pós-graduação e graduação os recursos de que necessitam para cumprir as metas a que se dispõem; disseminar as pós-graduações pelo interior; estimular decisivamente a integração de pesquisadores da UFF a redes internacionais de pesquisa; lutar política e juridicamente pela isonomia salarial com a UFRJ; reorientar a composição política da representação docente nos Conselhos Superiores; profissionalizar a gestão. Não podemos mais permitir que o arcaico dite os rumos do nosso futuro. Ou será que é este o nosso paradigma de gestão?

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