segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As políticas equivocadas de nossas agências de fomento

por Prof. Dr. Otávio A. S. Carpinteiro

Universidade Federal de Itajubá, MG



Em entrevista à Fapesp (http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3845&bd=1&pg=1&lg=), em maio de 2009, o ministro Sérgio Rezende descreve sua participação na criação e desenvolvimento do centro de pesquisas na área de física, na UFPE, na década de 70. É muito interessante a entrevista, pois apresenta vários pontos em comum com relação às dificuldades que encontram os pesquisadores que se dispuseram a criar e desenvolver, na última década, novos centros de pesquisas no interior de todas as regiões do país.


O ministro narra, por exemplo, sua relutância em criar do nada o centro de pesquisas na UFPE, pois era-lhe bem mais fácil e cômodo integrar-se ao grupo da UNICAMP, onde já havia recursos materiais e humanos de qualidade para o desenvolvimento de sua carreira como cientista. Narra, outrossim, sua grande dificuldade para trazer recursos humanos qualificados para o recém-criado centro na UFPE.


Os pesquisadores que, na última década, se dispuseram, tal como o ministro, a criar e desenvolver do nada novos centros de pesquisas no interior de todas as regiões do país, encontraram e encontram as mesmas dificuldades. Em verdade, encontram dificuldades bem maiores, pois, ao contrário do que ocorreu com o ministro nas décadas de 70, 80 e, quiçá, 90, não dispõem de fortes estímulos, de apoios, de fartas verbas do CNPq, da Finep, do BID e demais agências de fomento. Parece mesmo que as lições do passado de como se criam e desenvolvem novos centros de pesquisa foram esquecidas pelas agências de fomento.


Um outro artigo interessante é o da pesquisadora Marilene de Castilho Sá, publicado no portal da Faperj (http://www.faperj.br/servicos/buscaposgrad/pos_grad_RJ_apresentacao.phtml) e republicado no Jornal da Ciência E-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=64484). Neste artigo, a pesquisadora descreve as razões para as assimetrias entre as regiões do país. Dentre as razões apontadas, destaca-se a "concentração dos investimentos públicos federais que, historicamente, privilegiaram instituições onde os recursos humanos e a infraestrutura já atingiram índices de capacidade elevados". Acrescenta que "é importante destacar ainda que essas distorções também se repetem no interior de uma mesma região ou estado".


Embora as conclusões dos estudos da pesquisadora possam ser novidade para os dirigentes das agências de fomento e para os pesquisadores dos grandes centros de pesquisa, centros estes localizados nos principais municípios do país, para os pesquisadores dos pequenos centros de pesquisa, localizados no interior de todas as regiões do país, as conclusões dos estudos são evidentes, pois fazem parte de sua realidade quotidiana. Provavelmente, é a falta de conhecimento desta realidade que faz com que o CNPq, por exemplo, dedique uma parcela mínima de 30% (trinta por cento) dos recursos de seus editais de fomento para projetos coordenados por pesquisadores vinculados a instituições sediadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.


Conforme já apontado no artigo "A quem se dirige o Edital Universal 2008?", publicado no portal Democracia e Transparência em C&T (http://democracia-e-transparencia-em-ct.blogspot.com/2009/08/quem-se-dirige-o-edital-universal-2008.html) e no Jornal da Ciência E-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=57672), de autoria de um professor de um pequeno centro de pesquisas na área de computação no interior da região sudeste, "embora o objetivo do CNPq seja louvável, qual seja, o de fomentar a criação e o crescimento de centros de pesquisa nestas regiões, parece-me que a forma com que pretende fazê-lo não é muito adequada, por dois motivos. Primeiro, porque também existem diversos pequenos centros de pesquisa, em formação e em crescimento nas demais regiões do país. Segundo, porque, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste também existem muitos grandes e consolidados centros de pesquisa, que, a meu ver, não necessitam de apoios diferenciados por parte do CNPq. Seria, portanto, melhor se o CNPq apoiasse apenas os pequenos centros destas três regiões, ou melhor ainda, talvez, se apoiasse os pequenos centros detodas as regiões do país, de forma indistinta".


É necessário precisar o que sejam grandes centros e pequenos centros de pesquisa. Conforme o artigo "Renovação dos Comitês Oligárquicos do CNPq", publicado no portal Democracia e Transparência em C&T (http://democracia-e-transparencia-em-ct.blogspot.com/2009/07/renovacao-dos-comites-oligarquicos-do.html) e no Jornal da Ciência E-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63284), "um grande centro em uma determinada área do conhecimento é um centro de pesquisas, localizado em uma pequena ou grande universidade (ou centro tecnológico), que possua grupos de pesquisa, cursos de graduação, de mestrado e de doutorado consolidados, ao longo de anos, nesta determinada área do conhecimento. Um pequeno centro em uma determinada área do conhecimento é um centro de pesquisas que não possua estas quatro condições, ou que possua algumas destas quatro condições ainda em fase de formação. Assim, usualmente, uma universidade pequena contém um pequeno número de grandes centros em apenas algumas poucas áreas do conhecimento. Uma universidade grande, por outro lado, possui um grande número de grandes centros em diversas áreas do conhecimento.


Seria muito conveniente que os dirigentes e os membros dos Conselhos e Comitês de nossas agências de fomento lessem, na íntegra, a entrevista do ministro Sérgio Rezende e o artigo da pesquisadora Marilene de Castilho Sá. Evitar-se-iam, assim, as políticas e os editais discriminatórios, sempre em favor dos atuais grandes centros de pesquisa do país, lançados por estas agências.


As agências de fomento vêem os grandes centros de pesquisa do país como centros de excelência. No entanto, como podem ser centros de excelência se nunca alcançam a maturidade, a maioridade? Como podem ser centros de excelência se não conseguem caminhar por suas próprias pernas? se, durante décadas, dependeram e continuam dependendo, sempre e fortemente, dos financiamentos públicos para produzir resultados? Já os pequenos centros de pesquisa do país, centros em formação, que sobrevivem e produzem resultados com recursos materiais e humanos limitados, fruto do descaso das agências de fomento, não seriam, com mais razões, também centros de excelência?


É lícito às agências de fomento lançar editais que visem exclusivamente abarcar determinados grupos de pesquisadores, determinados centros de pesquisa, determinadas áreas do conhecimento. Não é correto nem ético nem justo, porém, quando não há contrapartidas, ou seja, quando não há outros editais que contemplem, com o mesmo volume de financiamento, os grupos, os centros e as áreas do conhecimento que não foram abarcados por editais anteriores. Se editais são lançados sem contrapartida, passam a ser editais discriminatórios, visando favorecer exclusivamente determinados segmentos em detrimento dos demais.


Assim, por exemplo, qual a contrapartida para os programas de pós-graduação de nível 3 das regiões sul e sudeste que, sem motivo, foram excluídos de participar dos editais CNPq 027/2007 e CNPq 070/2008? qual a contrapartida para os pesquisadores dos pequenos centros que, pelos critérios equivocados do CNPq, que julgam de forma igual os desiguais, não conseguem obter bolsas de pesquisa de nível 1 nem podem participar, como membros, dos Comitês Assessores? qual a contrapartida para os pesquisadores dos pequenos centros que, por não conseguirem ser bolsistas de pesquisa de nível 1 e por não terem representantes nos Comitês Assessores do CNPq, têm seus processos preteridos nas faixas B e C dos Editais Universais, nos Editais PDE e demais editais do CNPq, mesmo apresentando excelentes projetos? qual a contrapartida para os pesquisadores dos pequenos centros que, pelos critérios equivocados da Fapemig, que também julgam de forma igual os desiguais, não conseguem obter bolsas de pesquisador mineiro? qual a contrapartida para os pequenos centros de pesquisa que, por não possuírem bolsistas de pesquisa de nível 1A ou 1B, não puderam candidatar-se a receber, ao menos, uma pequena parcela dos "rios de dinheiro público" destinados aos grandes centros de pesquisa, através do edital dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia?


Estas políticas e editais discriminatórios seriam uma vergonha, não fossem uma lástima para o desenvolvimento uniforme da ciência e tecnologia nacionais e, por conseguinte, para o desenvolvimento humano e econômico dos municípios menos favorecidos de todas as regiões do país, municípios estes que, usualmente, abrigam os pequenos centros de pesquisa.


Na mesma direção, assinou-se recentemente, no dia 22 de junho, um acordo, com duração de 36 meses, entre a Capes e a Fapemig, para beneficiar exclusivamente os programas de pós-graduação de níveis 6 e 7 do estado de Minas Gerais. Trata-se do Programa de Apoio a Cursos nota 6 e 7 (PACSS) (http://www.fapemig.br/destaques/destaque_descricao.php?cod=753http://www.fapemig.br/destaques/destaque_descricao.php?cod=685,http://www.fapemig.br/destaques/destaque_descricao.php?cod=759http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/2837-capes-libera-recursos-para-programas-de-pos-graduacao-de-alto-nivel).


Por este programa PACSS, recursos de dez milhões de reais, divididos entre Capes e Fapemig, serão destinados aos programas de pós-graduação de níveis 6 e 7 (e provavelmente, também aos de nível 5), para equipá-los com infra-estrutura laboratorial adequada. Além disto, pesquisadores dos programas de nível 7, exclusivamente, poderão concorrer a um novo tipo de bolsa, denominada Bolsa Conhecimento Novo, a ser oferecida, por um período de três anos, para que estes pesquisadores sejam "incentivados", segundo informa o portal da Fapemig, a atuar na "fronteira do conhecimento".


Os pesquisadores dos pequenos centros de pesquisa de Minas Gerais esperam firmemente que o programa PACSS não venha a engrossar o rol dos editais discriminatórios lançados pelas agências de fomento. Esperam, portanto, que, nos próximos meses, seja divulgada, pela Fapemig, a contrapartida a este programa.



(Este artigo foi enviado ao presidente da Fapemig, solicitando-lhe uma resposta, por carta, às seguintes duas perguntas: a) em qual data a Fapemig irá lançar um edital que contemple cada programa de pós-graduação de nível 3 e 4 de Minas Gerais com o mesmo volume de financiamento destinado, pelo PACSS, aos programas 5, 6 e 7? b) em qual data a Fapemig irá lançar um edital que contemple, com Bolsas Conhecimento Novo, os pesquisadores dos programas de pós-graduação de níveis 3 a 6 de Minas Gerais?)



Fonte: Blog Democracia & Transparência em C&T

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Publicar mais ou melhor? - O Tamanduá Olímpico


por Prof. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)


Publicado na:
  • Rev. Bras. Cienc. Esporte, vol. 29, no. 1, pp. 35-48, 2007


Introdução ao tamanduá

Fosse a ciência produzida no Brasil um tamanduá-bandeira, sabemos que o nosso curioso e típico mamífero quadrúpede não sobreviveria se o repartíssemos em segmentos alguns mais, outros menos importantes: os primeiros recebendo mais recursos, sangue, açúcar, oxigênio, sais minerais e vitaminas, enquanto os demais seriam tratados à míngua, abaixo do conhecido limiar de sobrevivência de São Mateus: “àqueles que tudo têm, mais lhes será dado; aqueles que nada têm, o pouco que lhes resta lhes será tomado”. Apesar de absurda na metáfora, essa parece ser a realidade da distribuição dos recursos vitais para a produção de conhecimento no Brasil e o campo das ciências do esporte talvez possa ser localizado num daqueles pelos da enorme cauda do tamanduá, oscilando de um lado para outro ao sabor do seu desajeitado caminhar em busca de cupins e formigas orçamentárias, ainda e sempre ameaçado de extinção. Portanto, é desse ponto de vista que vamos emitir alguns grunhidos descontentes que, seguramente, devem ser diferentes das reflexões epistemológicas dos cientistas localizados na ponta da língua do nosso querido mamífero, quando ele a expõe diante do fotógrafo internacional que vem documentar a nossa biodiversidade.

Publish or perish … or push the parish?1

Como se sabe, o elemento fundamental para a produção de conhecimento é o financiamento dos seus custos, e para obter recursos para sua pesquisa, como bolsas e auxílios financeiros, qualquer cientista brasileiro deve apresentar um projeto, o qual deve ser aprovado quanto ao mérito, e seu currículo deve alcançar uma determinada pontuação no sistema de classificação dos órgãos de fomento, como, por exemplo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Uma vez que a necessidade de financiamento se torna progressivamente maior à medida que mais tecnologia é incorporada às técnicas científicas, obter verbas nos órgãos de fomento tornou-se a expressão máxima da competição entre os pesquisadores.

Balizados formalmente pelo discurso da ética, os candidatos enviam seus projetos de pesquisa detalhados e seu currículo, que são analisados por comitês pertinentes a cada uma das subdivisões das três grandes áreas em que foi dividida a ciência. Ainda que nas subdivisões das áreas os projetos sejam agrupados de acordo com alguma afinidade entre si, na verdade cada pesquisador traz para a avaliação um tema que, em princípio, deve ser original e que, portanto, encontra poucas pessoas capazes de julgar a sua relevância com precisão. Assim, são convidados outros pesquisadores para darem pareceres técnicos sobre os projetos dos colegas, o que se tornou uma atividade obrigatória para aqueles já contemplados com recursos (bolsas e auxílios) e que resulta em geral numa verificação se o método científico proposto está correto e se as técnicas e os orçamentos são adequados, dada a progressiva especificidade temática de cada projeto. Nesse ponto do processo já encontramos problemas: o bioquímico Franklin Rumjanek, por exemplo, critica o critério de seleção para financiamento de projetos das agências de fomento à pesquisa do país porque o perfil do solicitante é levado mais em conta do que a pesquisa em si, o que gera distorções na hora da escolha, pois a decisão se baseia no número de trabalhos publicados e na qualidade dos periódicos científicos que os aceitaram, mas não garante que seja selecionada a parcela mais produtiva de pesquisadores (RUMJANEK, 2006). Assim, caso seja aprovado o mérito do projeto, a distribuição das verbas entre os pedintes será realizada de acordo com a classificação do currículo do pesquisador a partir de uma pontuação detalhada de cada atividade considerada relevante segundo os critérios do órgão de fomento.

Apesar de o currículo ser preenchido num formulário eletrônico padronizado, cada pesquisador é livre para incluir toda e qualquer atividade que ele achar relevante, ou seja, apesar de o pesquisador estar sujeito a sanções no caso de cometer fraude comprovada, tornou-se necessário definir critérios cada vez mais detalhados e quantificá-los para comparar currículos diferentes. Dessa forma, o sistema de classificação atribui pontuação para determinadas atividades, entre as quais, especialmente valorizada como “objetiva”, está a publicação de artigos científicos nos últimos anos. Os artigos publicados podem variar numa escala de pontuação que vai do máximo, que são os artigos completos em periódicos indexados internacionais e de grande impacto na comunidade científica (em função do número de consultas e citações), até o mínimo, que são aqueles artigos resumidos em periódicos regionais de baixo impacto. Por exemplo, a subcomissão do CNPq, que julga os pedidos da subárea na qual se encontram as ciências do esporte, atribui oito pontos para o primeiro tipo de artigo e apenas um ponto para o de menor impacto.

Aqui é que o tamanduá torce o rabo: para vencer a corrida ele deve falar inglês, ou seja, no sistema de classificação utilizado, a principal qualidade de um pesquisador brasileiro é sua capacidade de publicar artigos em ... inglês. O sistema de pontuação está de acordo com a concepção de que um artigo publicado em inglês é melhor do que qualquer outro publicado em português ou em qualquer outra língua (“SPECIAL REPORT”, 2007). É esperado que esse sistema de pontuação geralmente seja capaz de comparar adequadamente os currículos de pesquisadores que se ajustam a esse modelo de produção do conhecimento, ou seja, o nosso tamanduá deve entrar na corrida vestido de terno e gravata, num esforço para adaptar-se às normas de comportamento impostas a partir do estrangeiro, como alguns dos nossos cientistas que se têm procurado ajustar aos temas e problemas propostos pela comunidade científica internacional.

Mas há quem não concorde que publicar em inglês deva ser a prioridade e aqui se encontra o grande divisor de águas entre os pesquisadores: de um lado, aqueles que acreditam, e têm fortes argumentos para sustentar sua crença, que a ciência é “universal”, ou seja, os temas mais avançados do conhecimento internacional são aqueles que de fato interessam e não existiria ciência “regional”. Portanto, seria natural que os cientistas mantenham os olhos voltados para as questões mais recentes e profundas que estão sendo discutidas no mundo desenvolvido, decorrendo daí a necessidade de publicar predominantemente em inglês e dialogar com a comunidade internacional. Além disso, deveríamos estimular a publicação em inglês porque mesmo revistas respeitadas em países desenvolvidos como Alemanha, Japão, Espanha e França já estão capitulando na sua histórica resistência lingüística e passando a publicar em inglês (idem). Outro argumento contundente nessa lógica é que o processo de divulgação do conhecimento não termina na publicação inicial, mas tem continuidade e torna-se relevante de acordo com o número de vezes em que o trabalho é citado por outros cientistas, ou seja, o seu impacto. Alguns argumentam, inclusive, que mesmo aqueles que publicam em português2 em 86% das vezes utilizam como fonte de consulta a literatura internacional em inglês nas revistas da área médica (CUNHA-MELO; SANTOS; ANDRADE, 2006). Assim, esse diálogo entre cientistas somente seria possível, no momento, em inglês. Finalmente, os defensores da publicação em inglês acreditam que a feroz competição pelo espaço seria um mecanismo saudável de seleção e a sobrevivência nesse processo seria indispensável para caracterizar a “boa” ciência.

Mas há também quem duvide que essa competição seja saudável, uma vez que a enorme pressão por resultados “positivos”, aqueles que agradam aos financiadores, pode gerar desde conclusões intencionalmente falsas a interpretações estatísticas distorcidas em função das pressões de mercado (IOANNIDIS, 2005). Somem-se a isso as posturas ingenuamente úteis de uma parte dos cientistas em sua incompreensão dos fundamentos matemáticos do pensamento científico (PENA, 2006), teremos um quadro no qual a “verdade” representada pelos periódicos internacionais pode ser gravemente questionada na razão direta da competição envolvida.

Outra restrição à excessiva valorização das publicações em inglês é o fato de que os avanços internacionais em qualquer área científica somente acontecem atualmente à custa de enormes investimentos financeiros em formação pessoal, infraestrutura, tecnologia científica e reconhecimento social para a produção de conhecimento. Assim, o nosso tamanduá metafórico participa dessa corrida maluca competindo contra robôs e máquinas maravilhosas, disputando espaço nas revistas internacionais, mas dispondo de centenas de vezes menos recursos do que seus concorrentes, alimentando-se basicamente de migalhas orçamentárias, e, incrivelmente, permanece famigerado, vivo e crescendo nos últimos 26 anos de 0,44 para 1,7% na sua participação nos artigos indexados mundialmente (ZORZETTO et al., 2006).

Apesar desses sinais detectados no crescimento3, pode ser que em longo prazo essa corrida esteja fadada ao fracasso ou à maldição da Rainha Vermelha no Alice no País das Maravilhas, que precisa correr cada vez mais rápido para manter-se no mesmo lugar, por causa do aumento exponencial dos custos tecnológicos para a realização de pesquisas, uma vez que na divisão internacional estaríamos abaixo do já referido limiar de São Mateus. Além disso, é preciso verificar se esse crescimento estaria localizado em áreas subsidiárias da produção científica internacional, denominados de focos de “excelência”, que talvez não sejam mais do que meras extensões da divisão internacional de trabalho, uma forma de investimentos estrangeiros atraídos pela mão-de-obra científica mais barata.

Diante disso, é preciso compreender melhor a nossa inserção na história da ciência, que demonstra que mesmo que sejamos pertencentes a comunidades científicas internacionais não nos podemos desvincular da sociedade que nos dá origem e nos sustenta, porque inseridos nela participamos das contradições e dos interesses sociais, econômicos e políticos que a constituem, podendo contribuir para aumentar, manter ou diminuir as desigualdades que sabemos existir. Nesse sentido, talvez o nosso tamanduá devesse deixar um pouco de lado a corrida internacional e debruçar-se sobre os problemas regionais, os cupins e as formigas do nosso subdesenvolvimento, e encarar sua missão histórica de povoar o cerrado e manter viva a diversidade de olhar que permeia os sertões brasileiros. Para isso, deveria dialogar em português com a comunidade a que pertence pelo menos com a mesma frequência com que o faz em inglês. Na matriz dessa concepção, está o reconhecimento de que o processo histórico de colonização não está extinto, que continuam os ciclos internacionais de exploração e que, à semelhança da dívida do período da escravidão para com os negros, não há igualdade de oportunidades no mundo em que vivemos. Como conseqüência, não haveria ciência “universal”, mas sim distribuição desigual do conhecimento em função das disparidades históricas e sociais entre as diferentes comunidades científicas em suas origens. É fácil verificar que as denominadas publicações “internacionais” raramente são de fato internacionais no seu conteúdo, nos seus leitores e no corpo editorial (OFORI-ADJEI et al., 2006), mas sim expressões evidentes dos interesses próprios da comunidade de língua inglesa.

Há pesquisadores contrários a essa forma desigual de capitalização do saber humano que querem produzir conhecimento para aqueles que financiam o nosso fazer científico: a população a que pertencemos historicamente, que nos sustenta com seu trabalho na forma de impostos diretos e de geração de riqueza. Assim, devemos dar prioridade às publicações em português, ainda que, no melhor dos mundos, também possamos dispor de energia para, simultaneamente, publicar nossa produção de conhecimento em revistas internacionais. Além disso, já foi mostrado que a competição internacional não é sinônimo de alta qualidade científica e, menos do que “boa” ciência, o conteúdo das publicações pode estar sendo determinado pelos temas de interesse daqueles que controlam financeiramente a pesquisa no mundo desenvolvido, particularmente os Estados Unidos (MOYNIHAM; HENRY, 2006).

Para tornar ainda mais complexa e polêmica a definição sobre o tipo de ciência que seria do interesse da população brasileira ou não, a internacionalização crescente na vida moderna dificulta cada vez mais a possibilidade de controlar qualquer tipo de fronteira física ou ideológica. Não se pode negar a fragilidade das tradicionais barreiras geopolíticas nacionais simultaneamente à ampliação das fronteiras abismais entre ricos e pobres e é claro que à divisão entre os países existe uma correspondente separação entre os cientistas dos dois lados da balança econômica. Embora não estejamos atolados na miséria escandalosa da África subsaariana, o Brasil desponta nas estatísticas internacionais como local de contrastes sociais4, os quais permeiam inevitavelmente o cotidiano dos cientistas.

Portanto, é possível que ocorra internamente uma reprodução da divisão internacional de produção científica na realidade brasileira, com alguns poucos núcleos privilegiados capazes de se inserirem na competição internacional, enquanto outras grandes regiões permanecem em completo abandono institucional, nas quais os pesquisadores mal conseguem manter-se atualizados sobre o que é produzido no seu próprio país. Na verdade, apesar de todo o organismo do tamanduá sofrer intensamente para se manter na corrida olímpica internacional em busca de uma medalha de ouro, algumas partes do seu corpo já se deterioram. O aumento da competição e a diminuição de recursos têm resultado em grave distorção cultural em que o número de publicações prevalece sobre o conhecimento, com grande sofrimento mental, menor criatividade científica, abandono da carreira e, num futuro próximo, diminuição de jovens interessados na ciência: uma combinação de fatores que pode levar ao declínio da ciência produzida no Brasil (DE MEIS et al., 2003).

Finalmente, a progressiva internacionalização da publicação em inglês pode liquidar de vez com as publicações regionais, cujo desaparecimento dificultaria ainda mais o acesso da maioria dos profissionais da área de saúde à produção de conhecimento contemporâneo, mesmo nos países mais desenvolvidos, aqueles que não adotam o inglês como língua oficial (CUNHA-MELO; SANTOS; ANDRADE, 2006). Nesse sentido, o artigo recente na Nature aponta os custos adicionais para o domínio do inglês, a redução da capacidade de competição dos cientistas de fora da comunidade de língua inglesa e a lentidão dos processos locais comparados ao desenvolvimento internacional (“SPECIAL REPORT”, 2007). Esse fenômeno entra em ressonância com o sistema de pontuação pelos órgãos de fomento gerando uma equação perniciosa:

Revistas internacionais + pontuação maior =
artigos piores para as revistas locais =
decadência das revistas em português + pontuação menor

Ao contrário, se os artigos em português fossem valorizados haveria artigos de mais qualidade nas revistas nacionais e o acesso à informação científica seria muito mais abrangente nos sistemas de procura eletrônicos, especialmente no portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mantido com recursos públicos. É importante salientar que não se trata apenas de existir a informação em inglês ou em português, mas sim na postura que assumimos e na quantidade de energia investida para podermos dialogar com as revistas internacionais (acatar seus temas e prioridades) ou para nos dedicarmos às publicações nacionais (voltarmos o olhar para o “nosso” público). O ponto de vista defendido por alguns cientistas é que as publicações devem atingir públicos diferentes, todos muito importantes: os acadêmicos (em inglês, que permita o acesso mundial) e os técnicos e a população em geral (esses dois últimos em português). É claro que nesse melhor dos mundos teríamos que possuir energia suficiente para atender às duas pontas do processo, mas o sistema de pontuação nos currículos não ajuda na construção de um sistema bem valorizado das revistas em português.

Há qualidade na quantidade?

Independentemente da língua utilizada na publicação, no sistema de pontuação e classificação dos órgãos de fomento podem ocorrer distorções que causam injustiças e resultam em desânimo quando um cientista desconfia de que foi desmerecido no processo. Para exemplificar, vamos observar dois casos reais.

O primeiro, vamos denominá-lo de doutor A, recentemente classificado como pesquisador do CNPq no primeiro nível (I), com direito à bolsa e também ao chamado auxílio de bancada, ou seja, um recurso mensal para gastar em pesquisas, durante três anos. Observando-se sua produção científica extraída do banco de currículos da Plataforma Lattes5 no dia 22 de dezembro de 2006, verifica-se que o doutor A publicou 54 artigos de 2004 até aquela data, ou seja, um artigo e meio por mês, o que significa que ele deve ter concluído uma pesquisa e meia por mês para dispor de dados originais e resultados suficientemente relevantes para merecerem a atenção da comunidade, ou seja, serem publicados. Ou então, teria concebido uma nova teoria a partir de dados antigos, o que o tornaria um caso raro de cientista que cria novos conceitos importantes quase duas vezes por mês ao longo de três anos. Dessa produção, no entanto, 31 artigos foram publicados numa revista na qual o doutor A é o próprio editor! Entre os demais artigos de sua exuberante lista, aqueles mais bem qualificados para disputar um lugar ao Sol na comunidade internacional foram apenas dois os publicados numa revista espanhola: no entanto, mesmo esse periódico possui tão pouco impacto (não é em inglês...) que nem mesmo é considerado relevante pela coordenação dos programas de pós-graduação brasileiros6. Não é preciso mais comentários para perceber que o doutor A optou por publicar cada vez mais em vez de cada vez melhor. No atual sistema de pontuação, apenas com os artigos publicados na sua própria revista ele conseguiu 31 pontos, desbancando qualquer outro pesquisador que tivesse, digamos, no mesmo período publicado um artigo por ano na melhor revista internacional, que faria 3 x 8 = 24 pontos apenas, o que poderia significar para este último ficar de fora da lista dos contemplados com os recursos para sua pesquisa.

No segundo exemplo, também real e emblemático, o excepcional número de publicações dessa vez acontece em inglês. O doutor B, também da área da saúde, apenas dois anos após a conclusão do seu doutorado obteve sua classificação como pesquisador nível I no CNPq com um currículo impressionante (também obtido na Plataforma Lattes em 22 de dezembro de 2006), no qual constam 57 artigos publicados em variadas revistas em apenas três anos, o que significa 1,58 artigos por mês, algo parecido com o que observamos na produção do doutor A, mais uma vez sugerindo uma fantástica obtenção de resultados ou criação de novas idéias científicas mensalmente. No entanto, enquanto o doutor A obteve seu doutorado há vários anos e já orienta muitos alunos em várias universidades, o que permitiria teoricamente a sua co-participação na autoria de diversos trabalhos realizados pelas várias pirâmides de produção científica (orientador – alunos de doutorado – de mestrado – de iniciação científica) nos diferentes locais, o doutor B começou sua atividade de orientação muito recentemente. O mais incrível é que apesar de sua juventude científica os artigos do doutor B tratam de uma impressionante quantidade de assuntos variados: 29 doenças diferentes, com algumas ligações entre si se as considerarmos englobadas numa especialidade médica suficientemente abrangente. Não citaremos as doenças ou a especialidade para impedir a identificação do doutor B, uma vez que nossa intenção é demonstrar a distorção do sistema e não personalizar o problema. Como esperado, a sua participação como co-autor intermediário (nem o primeiro – geralmente o mais envolvido com o trabalho –, nem o último – geralmente o orientador) foi de 37% nos seus artigos indexados no sistema de procura científica PubMed7, o que pode explicar em parte a profusão de artigos e temas, sem que saibamos o seu verdadeiro grau de envolvimento com o conhecimento produzido, o que se constitui numa deficiência do nosso sistema de citação de autores (TSCHARNTKE et al., 2007).

Para saber se talvez estejamos diante de um futuro ganhador do Prêmio Nobel, resolvemos comparar a produção dos doutores A e B com, por exemplo, dois dos últimos agraciados em medicina: Craig C. Mello (2006) e J. Robin Warren (2005). Se considerarmos a produção científica desses dois cientistas premiados, também a partir das publicações citadas no PubMed, observa-se que Mello apresenta 45 artigos em revistas indexadas no período de 16 anos, ou seja 2,8 por ano. Warren, por sua vez, nos últimos 56 anos aparece com 94 artigos, ou seja, uma taxa de 1,6 artigos por ano. Enquanto isso, o nosso doutor B exibe no mesmo sistema de procura a impressionante cifra de 29 artigos em três anos, ou seja, mais de 9,6 publicações anuais, batendo de longe os dois ganhadores do Nobel. O doutor A, como já vimos, não foi encontrado naquele sistema de procura.

Esses dois exemplos, que foram encontrados sem muita dificuldade entre os atuais contemplados com a bolsa de produtividade do CNPq, não devem representar a maioria dos pesquisadores, é claro, mas a sua simples existência provoca algumas reflexões. Primeiro, não se pode condenar os doutores A e B por mostrarem-se mais adaptados aos desafios do ambiente, numa perspectiva evolucionista, em que as condições a serem enfrentadas são as regras criadas pelo sistema de avaliação dos currículos: eles são aqueles que devem sobreviver melhor e nessa lógica eles poderão multiplicar-se muito mais, tornando-se uma espécie hegemônica num determinado futuro. Segundo, não se pode dizer que a distorção do sistema de avaliação da produção científica seja um problema exclusivo do Brasil, uma vez que a insatisfação com os critérios de aprovação de verbas para a pesquisa o com o sistema competitivo por recursos é internacional, tornando-se, inclusive, o tema humorístico do personagem interpretado pelo comediante inglês John Cleese: um cientista que não consegue completar duas frases sem deixar extravasar seu rancor para com os seus colegas, que, segundo ele, são sempre os beneficiados por critérios suspeitos nos financiamentos (ARCH, 2006).

Parece claro que o sistema de pontuação atual pode ser indutor de um ciclo nada virtuoso, no qual são estimulados aqueles que publicam muito e não aqueles que produzem conhecimento com qualidade, se admitirmos que mais não seja sinônimo de melhor. Infelizmente, a própria direção dos órgãos financiadores é parte da mesma lógica: só podem ser indicados para os postos de dirigentes do sistema de avaliação aqueles cientistas mais classificados pelo próprio sistema de avaliação, ou seja, aqueles que publicam muito, afastando-se a possibilidade de injunções políticas, é claro. É possível, então, que o nosso tamanduá continue seu processo de seleção natural: quanto maior o comprimento da língua, mais térmitas serão capturadas pela sua viscosidade ao penetrar nos labirintos burocráticos do cupinzeiro, garantindo a nutrição do tamanduá, o que aumenta a sua chance de reprodução. Talvez, depois de uns tantos anos desse processo, encontremos uma nova espécie – uma língua enorme arrastando atrás de si os vestígios das demais partes do tamanduá pelo cerrado brasileiro, ou um fóssil curioso preservado num museu de história da ciência num país qualquer.

A medalha de ouro

No final das contas, depois de disputar a corrida em desvantagem com seus concorrentes, é possível que o tamanduá conquiste o sonho olímpico, um eventual reconhecimento da comunidade científica internacional: a medalha da publicação numa revista de alto impacto. No entanto, todo esse esforço pode ser decepcionante: a desonestidade científica nas publicações cresceu tanto nos últimos anos que a credibilidade das revistas e do sistema de revisão por pares foi posta em quarentena. Há suspeita de que a maioria dos resultados publicados é falsa (“SPECIAL REPORT”, 2007) e que os periódicos biomédicos são uma extensão da divisão de marketing das companhias farmacêuticas (LEITE, 2006) e Antony Barnett, redator do The Observer (Inglaterra), afirma que as gigantes farmacêuticas contratam autores fantasmas para produzir artigos e colocam o nome de médicos neles (FOLHA DE S.PAULO, 7 dez. 2003). A credibilidade do sistema de publicações científicas tem sido tão questionada diante das pressões da competição e do mercado que foi criado um siteexclusivamente para detectar pesquisadores que estão relacionados à indústria ou a interesses econômicos e políticos8.

Para finalizar, segundo Richard Smith, ex-editor da British Medical Journal, o sistema de revisão por pares seria “lento, caro, pródigo para com o tempo acadêmico, altamente subjetivo, propenso a vieses, deficiente para detectar defeitos grosseiros e quase inútil para detectar fraudes”. Diante dessas suspeitas, o próprio Richard Smith ajudou a fundar a Public Library of Science (PloS), uma coleção de periódicos abertos pela internet, que defende o direito à informação pois não é preciso o leitor pagar para ter acesso às publicações: são os autores que pagam, quando podem (cerca de 70%). Ainda recente esse sistema de publicação precisa ser mais bem discutido e, para os motivos do presente artigo, não resolvem o nosso problema: os artigos são em inglês.

Assim, exausto, estressado pela competição, desnutrido pelo longo esforço, discriminado pela sua aparência exótica, no alto do pódio o tamanduá pode descobrir que a ambicionada medalha de ouro não passa de um pedaço de latão pintado: não se trata de mérito científico.

Preservando o tamanduá: Bandeiras

Se verdadeiras essas distorções, haveria alternativas? Se for possível construirmos um novo modelo a partir de algumas modificações no sistema de avaliação dos órgãos de fomento, temos de mudar nossa cultura do muito para o melhor, com ênfase nos critérios de relevância do conhecimento produzido e não apenas no prestígio internacional do meio de publicação. Deveríamos também modificar nossas prioridades na publicação, valorizando a publicação dos artigos em português e a divulgação científica para crianças, jovens e profissionais brasileiros. Para começar, o CNPq poderia desvincular a avaliação da produção internacional da nacional, pontuando de forma independente as duas atividades, reconhecendo o valor específico de cada uma delas para a atividade acadêmica. Além disso, precisamos promover adescentralização da distribuição dos recursos de fomento de acordo com uma política de combate às desigualdades regionais e, é claro, ampliar os mecanismos de participação da sociedade que sustenta os cientistas na definição dos projetos de pesquisa que devem ser financiados.

Sabemos todos que colocar esses temas na agenda dos cientistas, das instituições de pesquisa e dos órgãos de fomento significa enfrentar os controladores dos cofres nos subsolos dos bancos centrais, onde estão concentrados os recursos amealhados do trabalho de todos os brasileiros e sua descentralização é uma questão de poder político e econômico. Em contrapartida, essa agenda requer a mobilização ideológica da própria comunidade científica para transformar nossa competição atávica em altruísmo social, pelo reconhecimento da produção em português como recompensa efetiva. Teremos de compreender que desenvolver as regiões mais pobres significa fortalecer o tamanduá como um todo e, principalmente, teremos de perder o medo de sermos avaliados externamente pelos leigos, pois é nossa a responsabilidade de apresentar à sociedade aquilo que fazemos com clareza suficiente para que a sociedade compreenda a importância da ciência para a humanidade.

Não será fácil sustentar tais idéias, especialmente num período de desalento em que a nossa sociedade civil mal organizada se desorienta pela falta de alternativas políticas no quadro nacional. Além disso, o problema não parece ser exclusivamente brasileiro porque, ideologicamente, a concentração de recursos e a competição generalizada devem fazer parte daqueles contêineres importados que trazem a maquinaria complexa do colonialismo contemporâneo. No entanto, ainda é possível defendermos que o lugar do tamanduá não é o zoológico nem o museu: mas sim o cerrado brasileiro, genuinamente brasileiro.


Notas

1. Perdoem-me a aliteração em inglês: “Publicar ou perecer… ou impulsionar a paróquia?”.
2. Inclusive o presente artigo, para indicar que não se trata de um problema regional ou do autor.
3. Talvez um ajuste decorrente da redemocratização do país, uma vez que democracia, tolerância religiosa e livre comércio são necessários para o desenvolvimento científico. Ver Ridley (2004).
4. <http://www.gapminder.org>.
5. <http://lattes.cnpq.br/index.htm>.
6. <http://servicos.capes.gov.br/webqualis/>.
7. <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?DB=pubmed>.
8. <http://www.integrityinscience.org>.


Referências

ARCH, J. Complete guide to guys. S.l.: Filme, 2006.

CUNHA-MELO, J. R.; SANTOS, G. C.; ANDRADE, M. V. Brazilian medical publications: citation patterns for Brazilian-edited and non-Brazilian literature. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, n. 39, p. 997-1002, 2006.

DE MEIS, L. et al. The growing competition in Brazilian science: rites of passage, stress and burnout. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, n. 36, p. 1.135-1.141, 2003.

FOLHA DE S. PAULO, São Paulo, 7 dez. 2003.

IOANNIDIS, J. P. A. Why most published research findings are false. PloS Med, v. 2, n. 8, p. e124, 2005.

LEITE, M. Editores debatem sobrevida de periódicos. Folha de S. Paulo, Ciência, 8 out. 2005.

MOYNIHAM, R.; HENRY, D. The fight against disease mongering: generating knowledge for action. PloS Med, v. 3, n. 4, p. e191, 2006.

OFORI-ADJEI, D. et al. Have online international medical journals made local journals obsolete? PloS Med, v. 3, n. 8, p. e359, 2006.

PENA, S.D. Thomas Bayes: o “cara”! Ciência Hoje, v. 38, n. 228, p. 22-29, 2006.

RIDLEY, M. O que nos faz humanos: genes, natureza e experiência. Rio de Janeiro: Record, 2004.

RUMJANEK, F. Ciência burocrática. Revista Ciência Hoje, v. 32, n. 233, 2006.

“SPECIAL REPORT. Lost in translation”. Nature, n. 445, 25 jan. 2007.

TSCHARNTKE, T. et al. Author sequence and credit for contributions in multiauthored publications. PloS Biol, v. 5, n. 1, p. e18, 2007.

ZORZETTO, R. et al. The scientific production in health and biological sciences of the top 20 Brazilian universities. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, n. 39, n. 1.513-1.520, 2006.

Fonte: Blog Democracia e Transparência em C&T

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

DO FUNDO DO BAÚ

Pessoal,

Prometi a mim mesmo só escrever textos novos apos o mês de janeiro. Tive a tentação de responder imediatamente ao texto “O colapso da autonomia das universidades estatais”, postado nesse blog - bem intencionado, mas muito equivocado em suas análises e conclusões - mas mantenho a minha decisão. Tornarei pública a minha opinião num momento futuro. Atualmente, só estou divulgando alguns textos mais antigos que ainda têm alguma atualidade.

Estava limpando os meus arquivos antigos quando encontrei o primeiro dos textos abaixo, encaminhado quando era membro do CEP, às vésperas da votação sobre a “adesão” ou não ao REUNI. Nele, como sempre fiz, tornei pública minha opinião e externei algumas preocupações sobre o futuro, caso não tivéssemos a maturidade necessária para entender o momento que a Universidade Pública está passando. Premonitório, acho que parte dos meus temores se concretizou.

O segundo texto também saiu “do fundo do baú” e trata do assédio moral no trabalho. Já o divulguei aqui, creio, e o faço de novo, por achá-lo atualíssimo.

Uma das principais motivações para eu solicitar, em 2008, após dois anos de atividades, o afastamento da presidência da Comissão de Ética Pública da UFF foi uma certa frustração por não poder atender de fato as muitas pessoas que me procuraram tratando desse assunto.

O texto foi encaminhado para alguns colegas (técnico administrativos e docentes) enquanto eu ainda estava na Comissão. Ele é procedente pois, infelizmente, em alguns setores do serviço público, o assédio moral ainda é usado como instrumento para calar ou intimidar pessoas e/ou grupos que buscam manifestar suas opiniões.

Lembro que o assédio é uma questão de difícil verificação. Infelizmente, ainda buscamos fechar os olhos e fingir ignorar o que algumas vezes acontece ao nosso lado. O basta ao assédio depende da informação, organização e mobilização de todos nós.

Aí vão os textos, que dedico ao meu camarada João pela sua persistência e coragem. Por ousar lutar e conseguir vencer.

Heraldo

PS: Em breve será analisada no CUV a questão da consulta eleitoral para as Direções dos pólos e Unidades isoladas. Aos interessados – prestem atenção e conversem com os seus representantes.

SOBRE O REUNI

Colegas,

Em breve será apreciada, numa reunião conjunta dos Conselhos Superiores da UFF, a proposta de projeto da UFF elaborada para pleitear recursos dentro do REUNI – Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Como sempre fiz, desde que me tornei representante dos docentes do CTC no CEP, apresento a seguir minha posição pessoal sobre esse assunto para conhecimento de todos. Críticas e sugestões sobre o assunto são muito bem vindas.

Sou e continuarei sendo um ferrenho crítico do REUNI na sua forma atual, pela equivocada proposta acadêmica que o originou (a “universidade nova” – mesmo que tenha sido abandonada posteriormente), e pela forma como foi concebido. Dentro do processo de discussão desse programa há promessas de recursos inimagináveis na época FHC (os recursos adicionais sugeridos de forma virtual para a UFF até 2010 - cerca de 185 milhões de reais - teriam a mesma ordem de grandeza do que o previsto no mesmo período para a obra do arco rodoviário do Rio de Janeiro dentro do PAC).

Além disso, há sempre risco real de se optar pela simples maquiagem de indicadores (bacharelados fajutos de 3 anos para “reduzir a evasão”). Há, ainda, outras questões dúbias que precisam ser mais bem definidas e explicadas para o efetivo estabelecimento de grandes programas de estado.

O argumento de que a reforma universitária “emperrou” no congresso e de que ela deve ser discutida de forma “fatiada” através de Decretos do Poder Executivo é muito ruim. Pior ainda é o argumento de que “só adere ao REUNI quem quiser” - mas, caso não haja adesão, não haverá nenhum aporte de recursos adicionais até 2010. É como se o Reitor da UFF outorgasse um novo Regimento para a Universidade sob o argumento de que essa discussão “emperrou” no CUV. Como complemento, ele diria candidamente – como sou um democrata, cada Unidade é livre para aderir, ou não, ao novo Regimento, mas, neste caso, ela não poderá participar de nenhum dos programas do PDI.

APESAR DISSO, INFORMO AOS SENHORES QUE VOTAREI FAVORAVELMENTE A QUE A UFF SUBMETA UM PROJETO INSTITUCIONAL DENTRO DESSE PROGRAMA para tentar algum recurso adicional do MEC, por três razões simples:

1) Não devemos nos excluir desse processo;
2) Não queremos ser excluídos desse processo.
3) O projeto, pelo menos no papel, é bastante razoável.

Recursos públicos são públicos. Não aceito ficar de fora em nenhum programa que traga recursos públicos para a UFF e nem caio na “casca de banana” da adesão voluntária. Além disso, se é para fazer algum tipo de desobediência, creio que o melhor seria receber os recursos do REUNI e ignorar solenemente algumas metas voluntaristas impostas artificialmente - difíceis ou impossíveis de cumprir e que ignoram a questão da qualidade acadêmica.

Dificilmente essas verbas serão cortadas até 2010, ano eleitoral, independentemente do cumprimento das metas. O que me preocupa é: (i) a gestão coletiva democrática desses recursos; (ii) a falta de capacidade de executar com competência projetos academicamente adequados em tão reduzido prazo de tempo, (ii) o “pós 2010”, quando, certamente, teremos cortes, dependendo da melhor ou pior capacidade de gestão e de execução de cada IFES; (iv) finalmente, também me preocupa se a verba de custeio das universidades aumentará proporcionalmente ao aumento de gastos devido à expansão (energia, água, segurança, limpeza, etc.).

Li com atenção o projeto proposto pela UFF. Ele não nos compromete com nenhum modelo pré-fabricado de universidade e é bastante adequado para o prazo em que foi redigido. Evita, de forma hábil, questões desnecessariamente polêmicas e aponta caminhos quase consensuais tanto do ponto de vista acadêmico como de infra-estrutura. Também não inventa soluções mágicas para a redução de evasão (como os bacharelados de 3 anos para todas as áreas do conhecimento). Em termos de compromissos só apresenta o seguinte:

“Em relação aos objetivos gerais do REUNI, propomos que a UFF se disponha ao seguinte:
1) reverter a tendência de evasão escolar, hoje em 45%, para alcançar uma RELAÇÃO APROXIMADA a 90% entre o número de diplomados em 2012 e de ingressantes em 2007;

2) alcançar, em 2012, o total de 40.576 matrículas e de 2.858 professores do quadro permanente, os quais, EM UM REGIME DE 8 HORAS DE AULAS POR SEMANA, SERÃO EM MÉDIA RESPONSÁVEIS CADA UM POR 2 TURMAS DE 42 ALUNOS, considerando as peculiaridades mencionadas no item (9) acima.”

Peço a todos os colegas que leiam, pelo menos, o resumo da proposta. Não posso discordar de nenhum ponto apresentado.

Não aceito em hipótese alguma que esse desejo de apresentar esse projeto signifique ADESÃO irracional e submissa ao REUNI. Adesão é coisa para esparadrapo ou para político corrupto. Temos um bom projeto acadêmico e queremos participar, respeitando a nossa visão de mundo e de universidade. Se entrar algum recurso adicional do MEC para realizar parte do que está escrito no projeto, para mim está OK, desde que haja uma ampla discussão sobre os mecanismos de gestão e acompanhamento internos dos mesmos. Isso não nos impedirá de ser críticos ao longo do processo (até porque não há nenhum sentido numa universidade acrítica). Não há nenhum impedimento para adaptar ou aperfeiçoar detalhes do que está sendo proposto.
Vejo o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais como um PROCESSO, que começou muitíssimo pior do que está agora, e que já foi bastante alterado, acreditem, porque muitos foram firmes em manter suas críticas dentro dos fóruns democráticos existentes. Vou continuar batendo.

Informo a todos que sou um ferrenho crítico de alguns critérios usados pela CAPES para avaliar os programas de Pós-Graduação “stricto sensu”. Contudo, como ainda acredito no sistema, participo buscando mudar esses critérios nos fóruns adequados. Caso não acreditasse nessa possibilidade, estaria abrindo mão dos financiamentos da CAPES (incluindo as bolsas) e buscando a criação de cursos de PG livres, independentes do MEC.Já critiquei muito duramente a maneira que a FINEP elaborou e divulgou alguns editais, principalmente no caso do CT-INFRA, mas sempre acreditei que deveríamos participar dos mesmos. Em alguns casos conseguimos, efetivamente, mudar velhos paradigmas e procedimentos.

Um raciocínio análogo vale para o REUNI. Ainda acredito no sistema criado ao longo dos anos para o ensino superior público (Conselhos das IFES, eleições para reitores, ANDIFES, sindicatos, etc, etc.). A não participação num processo como esse seria o reconhecimento de que esse sistema faliu, de que ele não pode ser aperfeiçoado e nem representar a vontade da maioria, e que não temos a menor chance de fazer prevalecer as nossas idéias – portanto só nos resta a desobediência civil. Não nos vejo num momento político tão dramático assim, muito ao contrário. Estou bastante confortável para criticar duramente e participar sem crises existenciais mais profundas. Não consigo entender o dramalhão mexicano que está sendo feito sobre esse assunto.

Também não conheço ninguém que seja contra a redução da evasão escolar e o aumento de vagas no ensino superior público, “mantendo exigências de qualidade acadêmica, de dignidade do exercício profissional e de autonomia das instâncias colegiadas da UFF” (texto tirado do resumo do projeto). Além disso, todos os indicadores imaginários propostos pelo MEC podem e devem ser revistos ao longo do processo, caso contrário estaríamos apenas pondo a nossa vontade na frente da realidade.

Caso esses recursos sejam repassados para a UFF, a grande e verdadeira batalha será pelo controle e a gestão democráticos do programa (pois o papel aceita qualquer coisa), pela fiscalização pública da utilização dos recursos, pela execução competente das obras, por uma política clara de contratações de docentes e pela existência de indicadores para aferir o impacto acadêmico dessas ações.

Saudações universitárias
Heraldo

O QUE É ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO?

É a exposição a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização.

Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para a pessoa e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, em alguns casos, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o “pacto da tolerância e do silêncio” no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, perdendo sua auto-estima.

A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do indivíduo de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.

A violência moral no trabalho constitui um fenômeno internacional segundo levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com diversos países desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a OIT e Organização Mundial da Saúde, estas serão as décadas do “mal estar na globalização", onde predominará depressões, angustias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho.
Estratégias do agressor:

-Escolher a vítima e isolar do grupo.
-Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares.
-Culpabilizar/responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar.
-Desestabilizar emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho.
-Destruir a vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças pré-existentes). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante.
-Levar a vítima a gestos de desespero que podem levá-la a pedir demissão ou a ser demitida, freqüentemente, por insubordinação.

Explicitação do assédio moral:

Gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do/a outro/a, estigmatizar os/as adoecidos/as pelo e para o trabalho, colocá-los/as em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele/a que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, tornar público algo íntimo, não explicar a causa da perseguição, difamar, ridicularizar.

O basta à humilhação depende da informação, organização e mobilização de todos nós. Um ambiente de trabalho saudável é uma conquista diária possível na medida em que haja vigilância constante objetivando condições de trabalho dignas, baseadas no respeito ao outro, no incentivo a criatividade, na cooperação.

O combate de forma eficaz ao assédio moral no trabalho exige a formação de um coletivo multidisciplinar, envolvendo diferentes atores sociais: sindicatos, advogados, médicos do trabalho e outros profissionais de saúde, sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o assédio moral. Estes são passos iniciais para conquistarmos um ambiente de trabalho saneado de riscos e violências e que seja sinônimo de cidadania.

Saudações Acadêmicas
Heraldo



Agência Senado - 08/01/2010 - Alunos de universidades públicas podem ser obrigados a prestar serviços ou pagar pelo curso

Agência Senado - 08/01/2010 - Alunos de universidades públicas podem ser obrigados a prestar serviços ou pagar pelo curso
por Ricardo Icassatti


“Obrigatoriedade de retribuição” é como o senador Valter Pereira (PMDB-MS) chama a sua proposta de obrigar universitários recém-formados em cursos gratuitos a prestarem serviços à comunidade ou contribuir financeiramente. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 47/09) já obteve parecer favorável do senador Wellington Salgado (PMDB-MG) e está pronta para entrar na pauta de votação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).


A PEC também alcança os formandos de pós-graduação de universidades públicas, que ficariam sujeitos às mesmas obrigações de prestar serviços à comunidade na área da sua habilitação profissional ou pagar ao ente federado (União, estado ou município) responsável pelo financiamento do curso. Neste último caso, o dinheiro seria utilizado prioritariamente na expansão de vagas na universidade gratuita.


Walter Pereira justificou sua proposta assinalando que, diante do "fenômeno universal" da urbanização e da complexidade do trabalho na sociedade, aumentou o número de jovens que se candidatam a cursar universidades. Para o senador, os cidadãos não são tratados igualmente em relação à oportunidade de ingressar no ensino superior.


- Uns fazem seus cursos de forma totalmente gratuita, nas universidades públicas, financiados pelos impostos pagos por todos; outros obtêm uma gratuidadeintegral ou parcial em instituições privadas, sustentada por isenção de tributos que poderiam beneficiar a todos; e os que recebem financiamentos são obrigados, no futuro, a ressarcir os gastos federais que representam somas consideráveis da receita das instituições privadas - observou.


Pereira disse que quer promover um ato de justiça, dando a oportunidade aos formandos de universidades públicas de "retribuir à apropriação por eles efetuada dos recursos de impostos pagos por todos que financiaram sua formação".


Em seu parecer, Wellington Salgado salienta a "grita" de autoridades e prefeitos carentes sobre a dificuldade de conseguir a dedicação de profissionais formados em diversas áreas demandadas pela população. Ele disse que essa carência seria suprida se os milhares de profissionais formados em universidades públicas fossem obrigados a prestar serviço comunitário em sua área de especialidade.


- Não se trata, absolutamente, a nosso ver, de limitar a gratuidade da educação superior. É sabido que as universidades e os outros institutos federais são custeados pela receita de tributos, como o Imposto sobre a Renda (IR), o Imposto dobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto dobre Operações Financeiras (IOF) e outras receitas, todas oriundas da população. Acontece hoje que todos pagam, mas poucos se beneficiam, em razão da limitação da receita e dos altos custos do ensino superior - concluiu.


Ricardo Icassatti / Agência Senado

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

CARTA ABERTA À COMUNIDADE ACADÊMICA DA ECHS-VR


Prezados docentes, técnicos e discentes.

Primeiramente gostaríamos de agradecer aos membros do colegiado da unidade que de forma unânime aprovaram a nossa indicação para assumir os cargos de diretor e vice-diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais de Volta Redonda (ECHS-VR).

Assumimos o compromisso de conduzir a ECHS-VR numa fase importante e que demanda muita atenção e dedicação. Embora seja uma posição pro-tempore, sabemos que a construção de uma unidade acadêmica forte inicia-se com o desenvolvimento de um projeto institucional sólido.
O motivo desta carta é esclarecer a comunidade acadêmica (docentes, técnicos e discentes) sobre as demandas, desafios, competências e os limites da direção nesta fase. Isso se deve ao fato de estarmos em Volta Redonda submetidos à estrutura do Pólo Universitário (PUVR), uma estrutura semelhante aos antigos centros, que existiam na UFF, mas que foram extintos, porém mantidos na interiorização.  Em Niterói as unidades de ensino apresentam uma estrutura administrativa própria com maior autonomia.

Como exemplo temos:
•    A unidade possui orçamento próprio, mas dependente da execução do PUVR. Para ilustrar, os recursos para prestação de serviços de segurança e a limpeza saem do orçamento da escola, mas a autorização ocorre pelo PUVR;
•    Os funcionários quando admitidos são destinados ao PUVR e depois lotados nas unidades;
•    A execução das obras está sob responsabilidade do PUVR, qualquer alteração ou sugestão da unidade, passa pela avaliação da direção do PUVR.

Existe um conjunto de prioridades, já apresentado em reuniões do colegiado da unidade e que precisa ser realizado, entretanto é importante informar quais são as responsabilidades da direção da ECHS-VR. Isso não quer dizer que iremos ficar passivos às carências, sejam elas de quaisquer naturezas, pelo contrário, trabalharemos com energia e equilíbrio para buscarmos as soluções possíveis.

Neste sentido elaboramos uma agenda (Quadro) com os principais assuntos que julgamos importantes para serem tratados durante o período que estaremos na gestão da ECHS-VR, indicando a autonomia decisória sobre cada assunto relacionado.

Quadro: Agenda Prioritária da Direção da ECHS-VR



Convidamos todos a participar da gestão da ECHS-VR, pois consideramos este momento uma parte importante da história da UFF em Volta Redonda. Sabendo que muitos desafios virão, o convite é feito para todos aqueles que tenham interesse numa ECHS-VR forte e de excelência.
Aproveitando desejamos um ano de 2010 de muitas realizações.

Atenciosamente.

Professores Murilo Alvarenga Oliveira (Diretor) e Ricardo Thielmann (Vice-diretor).

sábado, 9 de janeiro de 2010

'O colapso da isonomia nas universidades estatais' - O Globo

'O colapso da isonomia nas universidades estatais' - O Globo
por Luis Paulo Vieira Braga

A voracidade fiscal do Estado brasileiro provocou a oneração da folha salarial de modo geral, inibindo a criação de empregos formais e os reajustes salariais. O rebaixamento salarial, agravado na época de inflação alta, provocou reações heterodoxas por parte dos assalariados, que buscaram desde as formas clássicas de reivindicação salarial por meio de greves e protestos, passando pela ação judicial, até procedimentos de natureza individual, que no conjunto estão levando ao colapso da isonomia nas universidades estatais. O presente texto alerta para o caos em que está se tornando o plano de cargos e salários dos docentes das instituições federais de ensino.
O intervencionismo governamental na economia ao longo das recentes décadas produziu uma série de planos emergenciais para tentar corrigir desequilíbrios financeiros e econômicos: Plano Collor, Plano Bresser, Plano Verão etc. Os servidores públicos e suas associaçôes de classe identificaram em muitos casos prejuízos à sua categoria, ingressando então na Justiça para reaver direitos perdidos. Devido às peculiaridades do rito judicial, os ganhos de causa não benefeciaram a todos uniformemente. Dependendo da vara, do escritório de advocacia ou do sindicato, alguns professores foram beneficiados, outros não, configurando uma flagrante quebra de isonomia salarial generalizada por todo o país, gerando novas ações para reparar as consequências das ações precedentes, em uma espiral jurídica infindável.
O emprego público no Brasil sofre de alguns estigmas: ganha-se pouco, mas trabalha-se pouco, difícil de conseguir um, impossível de ser mandado embora. No rastro desta leniência, e aproveitando-se do expediente constitucional sobre acumulação de cargos públicos, muitos professores 40 horas em dedicação exclusiva que tinham tempo para se aposentar assim o fizeram e reingressaram, por concurso, muitas vezes no mesmo departamento, para uma nova matrícula 40 horas em dedicação exclusiva.
O fato contrasta com a figura do professor emérito ou do colaborador voluntário, que continua contribuindo para a universidade graciosamente após sua aposentadoria, embora só tenha uma matrícula. Apesar de algumas tentativas de inibição de reingresso na universidade através deste expediente, liminares na Justiça vêm garantindo a sua continuidade.
Em face da retomada da massiva intervenção estatal na economia, já anteriormente à recente crise mundial, pelo governo de coalizão liderado pelo PT, a mordida do Leão começou a doer na própria carne. A solução foi criar ou expandir programas de bolsas - que não geram encargos - ao invés de contratos formais de trabalho, contraditoriamente ao que o governo frequentemente cobra da iniciativa privada.
Bolsas não são um instrumento estranho à universidade, sempre foram utilizadas como instrumento de fomento à formação, à implantação de uma nova área e assim por diante. No entanto, cada vez mais alguns tipos de bolsas vêm sendo um subterfúgio para não criar novos contratos de trabalho, ou encobrir aditamentos aos contratos já existentes.
É o caso das bolsas de produtividade em pesquisa pagas aos professores 40 horas em dedicação exclusiva das universidades estatais. Gradualmente o CNPq, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, vem ampliando uma folha de pagamento paralela ao SIAPE que remunera professores com produtividade em pesquisa. A sua duração pode ser indefinida. A sua concessão, em tese, depende da produção científica do candidato, na prática, essencialmente, do seu êxito em publicar numa lista de periódicos elaborada pela CAPES, denominada QUALIS, e da anuência dos seus pares.
As consultorias praticadas nas universidades estatais não deixam de configurar em tese uma acumulação indevida. No entanto, o volume destas atividades cresceu tanto que merece um parágrafo à parte neste texto. Existem dois tipos mais comuns de prestação de serviço: projetos e cursos pagos. Eles foram legalizados pelo expediente de sempre - a mais valia. Ou seja, se pagar uma taxa ao Estado pode fazer, desde que alguns procedimentos jurídicos sejam respeitados.
Um deles foi a criação de fundações de apoio á universidade, que se incubiram da gestão destes recursos, ordenando despesas, fazendo pagamentos, etc, e repassando às universidades os saldos destas atividades, socorrendo assim o combalido caixa das IFES. Porém, em muitos casos as fundações foram o rabo que abanou o gato, e não o contrário. Gozando de autonomia financeira, movimentando vultosos recursos, diversas fundações se envolveram em rumorosos escândalos, dos quais o da Universidade de Brasília tornou-se o mais paradigmático.
A degradação dos salários dos docentes das universidades públicas provocou reações que vão do individual ao coletivo, do legal ao marginal, da ortodoxia à heterodoxia. No embate por uma ordenação deste quadro altamente instável dois extremos se confrontam - a restauração de uma isonomia estrita e a livre negociação de salários. Recentemente, o governo tentou uma ordenação das diversas formas de remuneração docente pela sua incorporação no contracheque, através de gratificações. Como na proposta a Dedicação Exclusiva passaria (corretamente) a ser uma gratificação e não mais um direito adquirido, independente do seu cumprimento ou não, o corporativismo uniu liberais e classistas no boicote ao novo plano e mesmo à sua discussão. Fica tudo como está até onde der.


Luis Paulo Vieira Braga é professor associado da UFRJ

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

50 ANOS

“Eppur si muove”
Galileu Galilei


A cidade de Brasília, a UFF e eu estamos fazendo 50 anos aproximadamente na mesma época (com alguns meses de diferença). Numero redondo e simbólico, pretexto para se olhar para trás, mas sempre vivendo o presente e sonhando com o futuro. Brasília é uma cidade surpreendente – patrimônio da humanidade, com um alto grau de complexidade e desenvolvimento, teve, nos últimos anos, 3 senadores cassados (ou que renunciaram para não serem casados) e um governador envolvido no chamado “escândalo do panetone”. Acho que os brasilienses (e os brasileiros) não merecem isso.

Acabei divagando nesse preâmbulo - vamos ao que interessa:

Prometi nas últimas mensagens encaminhar um texto intitulado “5 anos em 50”. Paciência. Farei algum suspense antes de apresentá-lo. Como quase todo cronista em época de férias, aproveitarei para “requentar” alguns textos antigos que, certamente, muitos não leram. Uma espécie de “melhores momentos” do programa. Após um breve período de descanso, volto mais diretamente ao tema prometido.

Em anexo, apresento um texto sobre a UFF que escrevi faz uns 5 ou 6 anos. Evidentemente com algumas atualizações. É a UFF real e sonhada, tudo ao mesmo tempo. Escrevi a pedido, para que se tivesse um texto institucional sintético para entregar a visitantes. O texto, e versões dele andam por aí. Fico contente.


UFF - CONTRIBUINDO PARA UMA SOCIEDADE MELHOR

Em 18 de dezembro de 1960 foi criada em Niterói a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro constituída pela incorporação de cinco faculdades federais (Faculdade de Direito de Niterói, Faculdade Fluminense de Medicina, Faculdade de Farmácia e Odontologia, Escola de Odontologia e Escola Fluminense de Medicina Veterinária) e três estaduais (Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, Escola Fluminense de Engenharia e Escola de Serviço Social do Estado do Rio de Janeiro). Em novembro de 1965, já tendo incorporado duas faculdades privadas (Faculdade Fluminense de Filosofia e Faculdade de Ciências Econômicas de Niterói) e o Hospital Municipal Antônio Pedro, a UFERJ passou a denominar-se UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão cada vez mais integradas às aspirações da comunidade.

Atualmente atendendo à cerca de 30.000 mil alunos, a UFF é constituída por unidades distribuídas em mais de uma dezena de municípios fluminenses e uma Unidade Avançada sediada em Oriximiná, estado do Pará. No estado do Rio de Janeiro, Niterói é a cidade que abriga a maior parte das suas instalações, incluindo a Reitoria e seus quatro campi principais: Valonguinho, Gragoatá, Praia Vermelha e Ciências Médicas.

Hoje a universidade oferece 69 cursos de graduação, 131 de especialização, 51 de mestrado e 42 de doutorado. Ao completar 50 anos, a UFF se destaca entre as grandes Universidades do país e continua em franca expansão. Uma política consistente de capacitação docente e de contratações tem proporcionado um rápido crescimento do ensino, da pesquisa e da pós-graduação de qualidade em diversas áreas do conhecimento, o que também permite destaque em atividades de extensão universitária.

O desafio atual é participar cada vez mais ativamente do processo de desenvolvimento local a partir de um conjunto de atividades desenvolvidas em regime de parceria e cooperação entre todos os setores da sociedade envolvidos. Um dos objetivos da UFF é influenciar na dinamização da economia regional e nacional, sempre comprometida com o desenvolvimento social e a melhoria da qualidade de vida da população.

Sendo uma das maiores universidades do Brasil e com uma notável inserção regional, a UFF busca parcerias nacionais e internacionais para enfrentar os desafios e oportunidades, num cenário de crescente globalização mundial. Entendemos que o conhecimento surge da necessidade de encontrar novas alternativas, mas, sobretudo, da possibilidade de discussão e troca de idéias, visando à criação de espaços privilegiados para a expressão da criatividade científica e para o diálogo construtivo.

Com a comunidade de professores, alunos e técnicos que possui, a UFF tem sido capaz de enfrentar essas dificuldades e desafios, buscando a consolidação do espaço acadêmico e o sucesso da universidade pública no Brasil, enquanto elemento indispensável para a soberania nacional.


ABOUT THE UNIVERSITY

Universidade Federal Fluminense was founded on December 18th, 1960 as Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UFERJ. After its foundation, five Federal Faculties from Niterói, three Higher Education Schools and two private Faculties were incorporated into it. The Municipal Hospital Antônio Pedro, known currently as Hospital Universitário Antônio Pedro was annexed in 1964 aiming at medical teaching, research and assistance. In 1965 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro was renamed Universidade Federal Fluminense.

UFF ranks among the greatest universities of the country and offers currently 69 undergraduate courses, 51 master’s degree courses and 42 doctor’s degree courses. Educating students at all levels, from undergraduate to the most advanced graduate level. Undergraduate programs are available to all high-school graduates who wish to attend the University.

Instructional programs at the undergraduate level transmit knowledge and skills to students. At the graduate level, students experience with their instructors the processes of developing and testing new hypotheses and fresh interpretations of knowledge. Education for professional careers, grounded in understanding of relevant sciences, literature and research methods, provides individuals with the tools to continue intellectual development over a lifetime and to contribute to the needs of a changing society.

Through our academic programs, UFF helps create an educated workforce that keeps the Brazilian economy competitive. UFF also provides continuing education for professionals to improve their job skills and enhance the quality of their lives.

By some of the best Brazilian researchers and students in hundreds of disciplines at its campuses, laboratories, hospital and other research facilities around the state. UFF provides a unique environment in which leading scholars and promising students strive together to expand fundamental knowledge of human nature, society, and the natural world. Its basic research programs yield a multitude of benefits for Brazil through the creation of new products, technologies, jobs, companies and even new industries, agricultural productivity, advances in health care, improvements in the quality of life.

The goal for UFF is to build a university for the 21st century and beyond: A university that will better serve the world through the quality, impact, and vision of its research, and through the new generation of leaders it will produce.

Saudações acadêmicas
Heraldo


PS: Parabéns para a UFF.

Coincidentemente, após eu haver mencionado o texto “5 anos em 50”, e perguntado se haveria atraso nas obras do plano de expansão da UFF, algumas obras entraram em ritmo bastante acelerado. É claro que não há nenhuma relação de causa e efeito. Contudo, fico contente. Dizem que a empresa encarregada de acompanhar as obras foi mudada, mas isso eu não posso confirmar.

É bacana ver as obras do instituto de Computação finalmente andando. Fui um dos professores da UFF que acompanhou e apoiou de forma bem próxima a transferência do Departamento de Computação do falecido CEG para o finado CTC, visando a criação do IC . Eu era conselheiro do CEP na época, o prof. Pedro Antunes era o Reitor e o professor Cícero o então Diretor do CEG. Tenho sido, portanto, testemunha involuntária da luta pela construção do prédio do IC desde a primeira verba obtida pelos seus pesquisadores num projeto aprovado no primeiro CTINFRA (em 2001, eu creio). Portanto, uma história quase bíblica de mais de 7 anos.