domingo, 29 de maio de 2011

Longe da novidade





Coluna da jornalista Miriam Leitão no O Globo de 27 de maio de 2011.

As empresas do Brasil investem pouco em tecnologia e inovação, menos que o governo, que também investe pouco em ciência e tecnologia. Qualquer comparação internacional mostra que em outros países as empresas investem mais em inovação porque receberão em troca algo concreto: produtos que podem dar a elas muito lucro e dianteira na disputa com competidores.
Em relação ao PIB, nossos investimentos no setor são os mais baixos entre as maiores economias. Esse é um dos inúmeros gargalos que o Brasil enfrenta. São investimentos em pesquisa, ciência e inovação que farão o país gerar conhecimento, criar produtos, serviços e técnicas novas de produção para conquistar a longo prazo mais espaço no comércio internacional. Ciência e tecnologia são coisas diferentes, como explica Roberto Nicolsky, da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec): - São conceitos confundidos. Ciência é busca por conhecimento novo, é a fronteira do saber. Tecnologia, ou inovação, é usar conhecimento que já existe, científico ou não, e adaptá-lo à produção.
Perdemos nos dois campos. Em relação ao PIB, estamos investindo menos que outros países tanto em ciência quanto em pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D). De acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, os gastos com P&D fecharam 2009 em 1,19% do PIB. Muito menos que Coreia do Sul, por exemplo, que investiu 3,36%; Cingapura, 2,61%; e Austrália, 2,21%.
As empresas lideram investimentos em pesquisa e desenvolvimento em países de ponta. No Japão, elas foram responsáveis por 2,69% do investimento em relação ao PIB, enquanto o setor público ficou com 0,54%. Na Coreia, a relação foi de 2,45% para 0,54%. No Brasil, as empresas gastaram 0,55% e o governo, 0,61% do PIB.
Num programa que fiz esta semana no Espaço Aberto, Nicolsky defendeu que as empresas sejam subsidiadas para investir em P&D. Mas há quem considere que falta às empresas brasileiras cultura de pesquisa e inovação.
- As empresas não têm ainda esta cultura. Estão atoladas em impostos, juros altos e têm aversão a investimento de risco. Há também a forma como elas se desenvolveram, com importação de bens de capital e tecnologia. Importa-se bens de capital e com treinamento a produtividade cresce - explicou o presidente do CNPq, Glaucius Oliva.
Nicolsky acha que o País investe muito em ciência e pouco em inovação. Acredita que estamos 40 anos atrasado. Defende que o Brasil está com déficit de US$84 bi em produtos e serviços que envolvem tecnologia. Outros fazem contas bem menores, mas em todas há déficit. Ele defende que gastos com ciência fiquem com as universidades, enquanto as empresas se concentrem em P&D: - O governo arrecada R$3 bi por ano das empresas mas repassa 82% para ciência e 18% para P&D. Crescemos muito na publicação de teses mas continuamos fracos no registro de patentes.
Pode até ser, mas um aluno de mestrado no país recebe R$1.200 de bolsa do CNPq, pouco mais de dois salários-mínimos, enquanto o de doutorado ganha R$1.800. Glaucius Oliva, presidente do CNPq, justifica o valor: - Temos sempre que optar entre crescer o valor da bolsa ou aumentar o número de bolsistas. Em 10 anos, o número de bolsistas saiu de 14 mil para 70 mil.
A maior parte do investimento empresarial em ciência e inovação no Brasil é feita pela Petrobras. Por ano, a empresa gasta R$1,45 bilhão em ciência e tecnologia, mantendo o maior centro de pesquisa da América Latina, o Cenpes.
- Nossa visão é que ciência e tecnologia são complementares. O foco é inovação, mas se o conhecimento não é suficiente é preciso ir à ciência. Temos parceria com universidades, com orçamento de R$400 milhões, para estudos na nossa área - disse Carlos Tadeu Fraga, gerente-executivo do Cenpes.
A Vale também investe pesado e tem projeto de R$ 900 milhões para construir o Instituto Tecnológico Vale (ITV). O diretor-presidente do ITV, Luis Mello, diz que uma das dificuldades na área é conseguir aproximar os universos científico e empresarial: -De uma forma geral, a visão do empresário é que o cientista tem pouca noção de custos e prazos. Já a universidade acha que as empresas têm visão limitada e imediatista. Mas as barreiras estão sendo quebradas.
Luis Edmundo Aires, vice-presidente de tecnologia e inovação da Braskem, diz que as mudanças econômicas dos últimos 20 anos estão forçando as empresas a ampliar investimentos na área: - A estabilização trouxe o planejamento de longo prazo. A abertura comercial faz as empresas investirem em inovação para se diferenciar dos concorrentes externos.
O setor de cosméticos investe porque precisa desenvolver princípios ativos próprios para se diferenciar. Alessandro Mendes, diretor de desenvolvimento de produtos da Natura, que investiu R$140 milhões na área em 2010, cita outro motivo para explicar o atraso do Brasil: - A inovação geralmente é feita na matriz. Então quando filiais vêm ao Brasil, elas não trazem essa produção, recebem de fora a informação.
Seja qual for o motivo, o fato é: o Brasil está atrasado.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Centros avançados

Estabilidade econômica e política, um forte mercado interno e recursos humanos qualificados colocaram o Brasil na rota internacional dos investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento.

Some-se a isso um parque industrial diversificado e um pacote de incentivos, que inclui as vantagens da Lei do Bem, da Lei da Inovação e da Lei de Informática, além de linhas de investimento do BNDES, e está criado um ambiente de estímulo à inovação.

Prova disso é o número crescente de gigantes mundiais que vêm anunciando a instalação de centros de pesquisa tecnológica no país. Estão nesse grupo empresas como IBM, GE e Saab, além das chinesas Huawei e ZTE e da taiwanesa Foxconn. Outras companhias, como Dow, SAP e Whirlpool, que já contam há mais tempo com estruturas de pesquisa no país, inauguram novos centros tecnológicos brasileiros.

"No mundo contemporâneo não há ciência, tecnologia e inovação de qualidade sem centros de pesquisa e desenvolvimento de primeira linha, ancorados em empresas que atuam internacionalmente", diz Ronaldo Mota, secretário de desenvolvimento tecnológico e inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "A vinda já em curso de um centro de P&D como o da IBM, por exemplo, nos coloca em outro nível em termos de desenvolvimento de capacidade computacional", avalia Mota. O governo atuou forte para atrair esse centro para o Brasil, que disputou a instalação com mais de dez países, diz Marcos Vinicius de Souza, diretor do departamento de fomento e inovação da Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).

O momento positivo deve ser aproveitado para acelerar o avanço tecnológico de sua pauta de exportação, propõe Ronald Dauscha, diretor de tecnologia e inovação da Siemens Brasil, que tem seis centros de tecnologia no Brasil, ligados às suas unidades de negócio. O mais recente foi inaugurado há cerca de dois anos no Rio, na área de óleo e gás. "Ainda 80% de nosso PIB é formado pelo mercado interno. Mas temos que trabalhar o quanto antes o mercado externo, porque nem sempre teremos o movimento de classe D indo para C, e de C para B", afirma.

Interessa ao governo brasileiro atrair conhecimento ao país para que isso se traduza em exportações com elevado nível tecnológico. É o caso das diversas empresas internacionais que desenvolvem tecnologia para a exploração de petróleo do pré-sal, em parceria com companhias brasileiras. "Essa tecnologia vai se tornar referência internacional", diz o secretário.

Isso já ocorre em subsidiárias brasileiras de companhias globais. Um exemplo é a nova versão das embalagens de plástico flexível para molhos e outros alimentos, capazes de ficar em pé, as 'stand up pouch', que chegarão ao consumidor em alguns meses. A novidade é que elas podem ser totalmente recicladas, já que serão feitas de um único material, o polietileno. A nova tecnologia foi desenvolvida pela Dow em seu recém inaugurado centro de desenvolvimento de aplicações de plástico de Jundiaí (SP) e está sendo exportada para suas divisões na Europa e no Pacífico.

"Queremos não somente desenvolver a matéria-prima, mas também ajudar nossos clientes, e os clientes de nossos clientes, a entender a nova tecnologia e desenvolver sua aplicação", diz Carlos Costa, líder da companhia para América Latina na área plásticos.

Para Carlos Eduardo Calmanovici, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), estender a inovação para a cadeia produtiva tornas as empresas mais competitivas. Esse será o tema deste ano da conferência anual da entidade, que reúne cerca de 200 empresas instaladas no País. "Quanto mais inovação houver nos fornecedores e clientes, mais competitiva a cadeia e suas empresas. No final, ganha o país", diz Calmanovici.

Poucos sabem, mas também o purificador de água Brastemp, o refrigerador Consul Facilite, o primeiro frost free de uma porta do mundo e a minilavadora Eggo, em formato de ovo e com capacidade de um quilo, para lavagem de pequenas peças e roupa infantil, foram desenvolvidos no Brasil. Eles fazem parte de uma lista de onze produtos criados recentemente por pesquisadores brasileiros nos quatro centros de tecnologia da Whirlpool no País. Sua tecnologia também é exportada para outros países. "Nos orgulhamos muito do capital intelectual desses centros. Além de garantir a liderança de nossas marcas no País, eles geraram muitas patentes para a companhia", diz Mario Fioretti, gerente geral de inovação e design para a América Latina da Whirlpool.

"Há coisas que se fazem no Brasil e que são inovadoras globalmente", destaca o argentino Humberto Vieites, diretor de ecossistemas e canais da SAP Brasil. A capacidade de inovação do país foi um dos pontos que pesaram na decisão da líder mundial em software de negócios para instalar em São Paulo, em outubro do ano passado, um de seus cinco laboratórios de coinovação do mundo, com investimentos de cerca R$ 1 milhão. Neste mês, a empresa vai lançar a primeira solução desenvolvida nesse centro com parceiro brasileiro.

Mas o País ainda tem um caminho de esforços pela frente. O principal é quanto à formação de pessoas, especialmente nas áreas tecnológicas e de engenharia. Em TI, o déficit de profissionais deve chegar a quase 92 mil pessoas neste ano, segundo estudo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). "O que está vindo para o País é o investimento atraído pelo mercado. O Brasil ainda não é forte em P&D atraído pela tecnologia, em que o que interessa é o cérebro, os engenheiros e cientistas", diz Sergio Queiroz, professor do departamento de política científica e tecnológica da Unicamp.

Para mais informações acesse o caderno Especial Inovação:http://www.valoronline.com.br.

(Valor Econômico)