sábado, 29 de outubro de 2011

POR QUE É QUE A GENTE É ASSIM ?

POR QUE É QUE A GENTE É ASSIM?
É na Escola de Engenharia que começa a ser destruída a nossa auto-estima. É na Escola de Engenharia que começa a ser forjado o nosso comportamento autodestrutivo, nosso desprezo pelos valores da própria profissão, nosso desgosto com a nossa própria atividade profissional. É na Escola de Engenharia que nasce a nossa falta de coragem empresarial e essa submissão inaceitável aos caprichos dos clientes.

Engenheiros, Médicos, Arquitetos, Advogados, Agrônomos, Dentistas...
Uma coisa leva à outra: toda vez que, numa conversa qualquer, o assunto “comportamento no mercado” vem à tona acabamos caindo nas inevitáveis comparações de engenheiros, arquitetos e agrônomos com médicos, dentistas e advogados...

Quando me perguntam o que eu acho disso (dessa comparação de profissionais tão diferentes) respondo sempre a mesma coisa: acho que essa comparação é JUSTÍSSIMA.
Se eu, engenheiro, por qualquer motivo, tiver de ser comparado com outros profissionais, acho muito justo que seja com médicos, com dentistas ou com advogados. Afinal temos muito mais coisas em comum do que diferenças. Somos todos prestadores de serviços. Nosso produto (nosso serviço) é altamente especializado e todas essas atividades demandam profissionais com capacidade intelectual diferenciada. Ninguém chega a ser médico, advogado, dentista, agrônomo, arquiteto ou engenheiro apenas por ter um belo par de olhos, uma voz doce, algum dinheiro no banco ou um padrinho influente... A conquista de qualquer um desses títulos demanda qualidades e habilidades especiais, muito estudo e empenho (às vezes até muitos sacrifícios).

Temos, é verdade, muitas semelhanças, quando a comparação é feita no nível da qualificação. Porém, no exercício das profissões e no comportamento empresarial de cada grupo as diferenças aparecem e são enormes. Neste texto concentramos nossas reflexões sobre a formação dos profissionais de Engenharia. No entanto, nossa experiência e a convivência com milhares de arquitetos e agrônomos dos mais distantes lugares do Brasil nos permitem acreditar que os conceitos podem se estender sem problemas também para esses profissionais. Voltemos no tempo.

Voltemos ao tempo em que essa pessoa (que hoje é um engenheiro) tinha seus quinze, dezesseis anos, um ou dois anos antes do vestibular. Esse moço ou essa moça é, muito provavelmente, um dos melhores alunos da sua sala (talvez da escola). É um expoente estudantil, requisitado pelos colegas, elogiado pelos professores, respeitado pelos pais (de quem é motivo de muito orgulho) valorizado pelos parentes, pelos vizinhos, admirado pelas garotas (ou garotos).

Comparemos nosso amiguinho com o estudante de quinze ou dezesseis anos que virá a ser médico, dentista ou advogado.

Veremos quase nenhuma diferença.

É isso mesmo. Na origem, são todos iguais. Têm o mesmo perfil, a mesma história, o mesmo rendimento. Todos são brilhantes e bem sucedidos.

Vem o vestibular. Ingressa, cada qual, na faculdade que escolheu... E é aí que as diferenças começam a aparecer. Os estudantes de medicina e de odontologia são enquadrados em um ambiente novo, com pessoas que se vestem de uma maneira diferente, se comportam de uma maneira diferente e que estabelecem uma identidade visual (e, por decorrência, uma identidade psicológica) com a atividade profissional que irão exercer alguns anos depois.

Os estudantes de direito, já nos primeiros meses de escola convivem com professores que vêm para as aulas de terno, gravata, sapato social, barba feita ou bem cuidada. E o mais interessante: aqueles senhores e senhoras respeitáveis, bem vestidos e de fina educação (os professores), tratam os seus alunos por “senhor” ou “senhora”, com toda a fineza e educação que a prática profissional recomenda. E estimulam seus alunos a acreditar e se convencerem de que são superiores. Que estão se preparando para “falar com o Estado” (privilégio que não é concedido a nenhum outro profissional...). Enfim, aprendem que precisam respeitar os outros, mas aprendem, antes de tudo, que precisam exigir respeito para si.
Nos últimos anos de faculdade, estudantes de odontologia e medicina já se vestem como se médicos ou dentistas fossem. Freqüentam clínicas e atuam como profissionais na área da saúde. Assumem, enfim, um ou dois anos antes de terminada a faculdade, todo um comportamento típico de médico. De dentista.

Os estudantes de Direito, por sua vez, a partir da Segunda metade do curso, já se vestem como advogados (roupa social, sapato, eventualmente gravata e um terno ou blazer...). Mantém com os seus professores e com os seus colegas um comportamento e um vocabulário apropriados para as lides jurídicas. E, o mais importante: são tratados, pelos seus professores, como Doutor. (Dr. Fulano, termine seu relatório até a próxima aula. Dr. Sicrano, esteja preparado para a prova final, na sexta-feira.). Apesar de ainda não terem concluído o curso.



Os estudantes de engenharia, ao contrário, a partir do início do curso, a única diferença que eles conseguem perceber na faculdade, em relação ao ensino médio é o grau de dificuldade (que simplesmente quintuplica!).

Não existe nenhum estímulo a um comportamento novo, nenhuma referência, um exemplo positivo de comportamento. Nenhuma motivação para um desenvolvimento psicológico alternativo. Nenhum elemento que interfira na formação do profissional do ponto de vista da sua imagem física composta de aspectos visuais e comportamentais. A vida social, no ambiente da faculdade, é muito restrita, quando não inexistente.

Além do mais, a faculdade entra na vida desses jovens como um elemento de ruptura. Os alunos são colocados em uma condição a que eles não estavam acostumados. Estavam acostumados a tirar notas máximas com a maior facilidade e, de repente, passam a sofrer e ter grandes dificuldades para obter notas mínimas ou médias. Deixam de ser respeitados pelos seus professores que se tornam distantes e autoritários e perdem a admiração dos colegas que estão todos desesperados tentando se salvar de uma coisa que ainda não estão entendendo direito.

Não que as faculdades de medicina, direito ou odontologia sejam fáceis. Ocorre que lá os estudantes têm compensações psicológicas que os estudantes de engenharia não têm. Essas faculdades, por diversos mecanismos, inexistentes nas escolas de engenharia, dão continuidade ao amadurecimento psicológico e social do futuro profissional. E, com isto, mantêm em alta a motivação e auto-estima dos seus estudantes.
Na engenharia não existe nenhum processo de acompanhamento psicológico para aquele estudante desesperado que teve a sua carreira de sucesso estudantil subitamente interrompida (mesmo os alunos que continuam conquistando notas altas, acabam sentindo a falta do aplauso dos colegas, do respeito dos professores e da admiração coletiva). E não existe ninguém para explicar o que está acontecendo. Ninguém para dizer a este estudante que ele não é tão inepto ou incapaz como, algumas vezes os professores parecem querer provar.
É quase geral, por parte dos professores, nas escolas de engenharia, a manifestação desnecessária de superioridade intelectual, o exercício gratuito de poder e o terrorismo psicológico.

E o estudante, que entrou na faculdade no auge positivo da auto-estima, vai recebendo, ao longo de cinco anos, das mais variadas formas, uma única mensagem: “Você não é tão bom quanto você pensava que fosse !”.
Ao contrário dos estudantes de direito, medicina ou odontologia, que têm como professores, profissionais que atuam no dia-a-dia de suas atividades, os estudantes de engenharia passam cinco anos submetidos aos rigores (e, em alguns casos, caprichos) de engenheiros que não atuam, profissionalmente, como engenheiros e sim como professores, e que, portanto, não têm a vivência da atividade profissional e não têm a ciência ou a consciência das relações comerciais que vão definir o sucesso ou o fracasso dos profissionais que eles estão formando.

Como resultado disso, ao final de cinco anos, o estudante de engenharia se transforma em um engenheiro. E este engenheiro é completamente desprovido de auto-estima, de respeito próprio, de prazer profissional ou de consciência de mercado. Na metade do último semestre da faculdade, dois meses antes de receber o diploma e ser entregue aos leões do mercado, o estudante de engenharia ainda é tratado como mero es-tu-dan-te.
Em momento algum, durante a faculdade, o estudante de engenharia é tratado como engenheiro, em momento algum, durante esses cinco anos, a escola propicia a percepção da mudança de condição de estudante para a condição de profissional.

Estudantes de direito, medicina e odontologia, ao contrário, muito antes do fim da faculdade já têm uma noção razoavelmente clara das dificuldades do exercício profissional que eles irão enfrentar. Com isso vão desenvolvendo mecanismos psicológicos de defesa e saem da faculdade com maior grau de segurança. Entram no mercado profissional de cabeça erguida, com uma consciência de valor. E com todo o processo de construção da imagem profissional em andamento. Estudantes de engenharia não são estimulados a se vestir bem, nem a ter preocupações com técnicas de comunicação ou relacionamento social ou de exercício intelectual não linear. Com isso acabam não desenvolvendo habilidades gerenciais ou de relacionamento com o mercado.
Esta é uma das razões pelas quais as organizações de engenharia são, quase sempre, extremamente burocráticas e conservadoras.

Engenheiros (ao contrário de advogados, médicos e dentistas) não comandam seu ambiente de trabalho. Por mais que detenham o conhecimento e a técnica, os engenheiros são, via de regra, pouco influentes em relação ao produto final, seja uma construção, uma instalação, um empreendimento complexo ou um processo produtivo.

O mais lamentável é que os engenheiros, via de regra, só vão perceber os resultados da negligência com a imagem física, a comunicação não-verbal e o comportamento no mercado, depois de já terem acumulado muitas perdas desnecessárias (algumas das quais, infelizmente, irreversíveis).

E qual é a utilidade desse discurso? Qual a importância de se colocar este tema no papel? Porque tornar pública esta opinião, que, com certeza aborrecerá alguns segmentos? Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar que a simples leitura deste ensaio leve um diretor de escola de engenharia, um professor, um estudante ou um profissional de engenharia a alterar o seu comportamento. O que se espera é que essas pessoas, a quem o texto é dedicado, tenham um momento de reflexão. E que a esse momento de reflexão se siga uma atitude. E que essa atitude tenha como objetivo dar um futuro melhor para a engenharia no Brasil.

A engenharia depende dos engenheiros. E os engenheiros começam a ser formados aos quinze ou dezesseis anos, ainda no ensino médio.
Eu ainda acho, como sempre achei, que o conhecimento científico que é transmitido aos estudantes durante a faculdade de engenharia é fundamental. E que o valor da engenharia está sustentado na capacidade intelectual e técnica dos seus profissionais.
No entanto, vejo como importantíssima uma nova visão, nesse processo de formação do engenheiro, que leve em consideração todo o relacionamento social dos estudantes entre si e com os seus professores. É importante que, aos estudantes, seja transmitida uma visão mais clara das relações comerciais que eles enfrentarão na vida profissional, seja na condição de profissionais autônomos, empresários ou empregados em alguma empresa.

Em qualquer um desses casos as relações sociais são elementos definitivos para o sucesso. É um “detalhe” que faz toda a diferença.
O estudante chega ao curso de Engenharia cheio de sonhos com a auto-estima elevada, transpirando confiança e auto-respeito. É muito triste que, dez ou quinze anos depois esse potencial tenha se transformado em um sujeito cabisbaixo, sem consciência de valor, destituído de auto-estima e respeito próprio. Abrindo mão da sua natural vocação de agente do desenvolvimento para ser mero instrumento de trabalho para terceiros.
Na Escola de Engenharia o engenheiro precisa ser “construído” para ser um vencedor. Precisa ser estimulado a acreditar no seu potencial. Confiar na sua inteligência. E, acima de tudo, precisa aprender a importância de manter a cabeça erguida.

ENG. ÊNIO PADILHA (Msc. Adm.)
www.eniopadilha.com.br - ep@eniopadilha.com.br

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ciência e Pa(ciência) no exercício da docência

Artigo de Mirna Marques Bezerra Brayner enviado ao JC Email pela autora.


Neste 15 de outubro, depois de delicadas mensagens parabenizando-me pelo dia do professor, pus-me a pensar no exercício da docência. Daí, duas palavras vieram meio que automaticamente à minha cabeça: Ciência e Paciência.

Etimologicamente, a palavra "Paciência" (do latim patientia) não é resultado da junção entre as palavras "paz" e "ciência". Paciência deriva do latim patientia e significa "virtude que consiste em suportar os males ou os incômodos sem queixume e com resignação" (Dicionário de Língua Portuguesa, 5ª edição, pp. 66). Por outro lado, a palavra Ciência provém do latim scientia (conhecimento). Portanto, Ciência remete à academia, à objetividade, à produção/geração de conhecimento e/ou de tecnologias.

Diz-se que dentre as sete virtudes, a mais difícil de desenvolver é a Paciência. Ademais, a Paciência acaba por englobar outras virtudes como a fortaleza. Daí porque, embora a palavra Paciência remeta à espera, de fato denota ação, uma atitude dos fortes, uma vez que a Paciência deve estar intimamente ligada a um movimento incessante e sistemático na busca por respostas aos nossos questionamentos e inquietações, estas fomentadas e aquecidas pela nossa prática diária do (tentar) fazer ciência/ensino/aprendizagem.

Neste sentido, é que devemos ancorar nossas inquietações na concentração e na Paciência. Somente com obstinação e Paciência é que a Ciência consegue atender às angústias do animal humano, porquanto a resignação, o sofrer calado, tem muito mais cor e encanto se desse cenário for capaz de brotar uma resposta para um velho enigma, ou uma nova indicação terapêutica para um velho fármaco.

São Tomás de Aquino disse que a tolerância é o mesmo que a Paciência. E a Paciência, como dito anteriormente, é paixão, no sentido de coisa a suportar. Suportar as coisas desagradáveis como a voz rouca (com cisto nas cordas vocais) que nos impede de conduzir uma boa preleção; a refutação da nossa (hipó)tese; o resultado negativo que pode ser um bom resultado. Mas é preciso muita Paciência. Chega o monitor, o aluno de iniciação científica, o mestrando, o doutorando, inquietos todos (e impacientes!) com seus achados, com a sua falta de tempo de contemplar seus protocolos e seus cadernos, com o seu fazer diário de Ciência, porque a graduação e a pós-graduação lhes consomem...

E de novo, o que é característico da idade, falta-lhes a Paciência para apreciar o resultado, admirar com mansidão dado por dado, encantar-se na construção (e desconstrução) de um gráfico e desencantar-se com a mesma leveza, quando descobrem que o desvio padrão está enorme. Será preciso aumentar o n (mas e o princípio dos 3Rs, como fica??). Escolher a opção connecting line pode não levar a lugar nenhum, apenas para mais uma janela do Graph Pad Prism. Portanto, embora etimologicamente distintas, Ciência e Paciência são inseparáveis, sendo imperativo colocar um pouco de paixão (Paciência) nessa palavra (Ciência) tão objetivamente ligada à razão.

Mas só a prática diária, a repetição, a frustração também, muita leitura, 'nulla dies sine línea', é que podem nos conduzir às searas da produção da Ciência e tecnologia, à formação de pessoal (e de pessoas também) e à satisfação tanto profissional como emocional, no nosso convívio diário, entre paredes em quase ruínas. E por falar em ruínas, como não visualizar um caleidoscópio - do grego: kalos=belo; eidos = imagem; e scopéo = vejo = vejo belas imagens). O caleidoscópio é um objeto mágico construído a partir de fragmentos, de pedacinhos (vidro colorido, espelhos), que uma vez integrados permite a construção das mais inusitadas imagens, dependendo, claro, da habilidade (e muito da sensibilidade) de seu usuário. Daí que na nossa prática diária construímos belas imagens, belos dados, embora não na velocidade que desejaríamos, tendo muita Paciência de organizar idéias, de juntar (ou catar) letrinhas. E a percepção de cada um faz toda a diferença.

Todavia, além de muita Paciência, no caminho do fazer diário da Ciência, exercitamos outras virtudes que nos mantém unidos muito além de um resumo em um congresso, um projeto, um paper, uma patente, um registro. Buscamos e trabalhamos na nossa convivência a generosidade, a diligência, a humildade, para não citar as outras virtudes, na perspectiva de que não nos tornemos embrutecidos e obtusos.

Mas o dia do professor só existe porque existe o aluno. "É no ensino que se aprende a pensar. E é da capacidade de pensar que surgem os pesquisadores. Se a pesquisa é um fruto, o ensino são as sementes que foram plantadas. Sem sementes não há árvores, sem árvores não há frutos" - Rubem Alves. Aqui, utilizando-se do modelo proposto por Paulo Freire, repudiamos o modelo tradicional da prática pedagógica de "Educação Bancária", uma vez que essa visa a mera transmissão passiva de conteúdos do professor, assumido como aquele que supostamente tudo sabe, para o aluno, assumido como aquele que nada sabe. "Era como se o professor fosse preenchendo com seu saber a cabeça vazia de seus alunos; depositava conteúdos, como alguém deposita dinheiro num banco. O professor seria um mero narrador, nessa concepção de educação" (FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2ª edição, 1975)

E por fim, mas não menos importante, finalizo esse breve rascunho com um texto de  Paulo Freire: "A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, essa pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação". (FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2ª edição, 1975, pág. 44.).

Mirna Marques Bezerra Brayner é professora do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal do Ceará - Campus de Sobral.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A doença fluminense

Artigo de Hélio Schwartsman, articulista da Folha de São Paulo, sobre o futuro dos recursos do pré-sal.


Essa disputa entre os estados pelos royalties do petróleo é um dos raros casos em que nenhum dos lados envolvidos tem razão, pelo menos a julgar pelos cânones da boa teoria econômica. Como explica Flávia Caheté Lopes Carvalho em "Aspectos Éticos da Exploração do Petróleo", sua dissertação de mestrado, conceitualmente os royalties servem para compensar as próximas gerações pelo uso presente de um bem que, por ser exaurível, não estará disponível no futuro, quando valeria mais do que hoje.

Quem destrinchou as bases matemáticas do problema foi Harold Hotteling (1895-1973) num texto clássico de 1931. A ideia central do autor é que é preciso pôr um preço extra na utilização de bens esgotáveis para estabilizar o mercado e maximizar, ao longo do tempo, os benefícios que eles podem produzir.

É claro que apenas cobrar os royalties não basta para assegurar que o objetivo seja alcançado. Seria necessário também aplicar os recursos em áreas estratégicas, que preparem o país para o futuro no qual o petróleo não mais existirá. Tipicamente, o dinheiro deveria ir para rubricas como pesquisa, desenvolvimento tecnológico e educação. São, afinal, conhecidos os perigos da "doença holandesa", a desindustrialização provocada pela exploração de recursos naturais e pelas distorções cambiais dela decorrentes.

O Brasil, contudo, deturpou inteiramente a ideia por trás dos royalties. Os estados que hoje os recebem não pensam duas vezes antes de empenhá-los no pagamento de despesas correntes e até no financiamento da guerra fiscal, como vem fazendo o Rio de Janeiro. Tampouco consta que as unidades federativas prestes a tomar sua parte no butim estejam pensando muito seriamente em constituir fundos tecnológicos.

Mais uma vez, vamos rifando o futuro de nossos filhos e netos em troca de mais um punhado de cargos e verbas para torrar.

Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=79728

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ciência pura

Editorial da Folha de São Paulo de hoje (11).

Não se pode acusar a Fundação Nobel de ignorar aspectos práticos quando toma decisões sobre os premiados do ano nas áreas de medicina ou fisiologia, química ou física. Em anos recentes, os Prêmios Nobel da área científica laurearam descobertas que tiveram impacto direto no cotidiano, como os dados aos criadores da ressonância magnética e dos CCDs (dispositivos das câmeras digitais).

Em 2011, todavia, a fundação decidiu mudar, dando destaque a trabalhos típicos da pesquisa básica.

Isso vale mesmo para a área médica. O trio formado por Bruce Beutler, Jules Hoffmann e Ralph Steinman (este morto três dias antes do anúncio) fez descobertas importantes sobre o funcionamento do sistema de defesa do organismo, mas ainda não há aplicações relevantes no trabalho dos médicos.

Em física e química, a decisão de valorizar o avanço do conhecimento como um bem em si mesmo é ainda mais clara. As observações astronômicas dos americanos Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess mostraram que o Universo muito provavelmente está se expandindo de modo acelerado. Os cientistas, porém, ainda estão longe de explicar o porquê desse fenômeno intrigante - postulam que a causa se relacione com a misteriosa energia escura, cuja existência, por sua vez, ainda não se apoia nem em dados experimentais nem em confiança teórica.

Dan Shechtman, ganhador do prêmio de química, tampouco impulsionou inovações tecnológicas: seus quasicristais foram considerados dignos da láurea simplesmente porque mudaram a definição do que é um objeto sólido - e basta.

Num mundo em que as restrições orçamentárias ficam cada vez mais evidentes, seria frívolo proclamar uma variante científica da "arte pela arte". Mas as escolhas do Nobel salientam que a busca pelo conhecimento possui dinâmica própria e inesperada. Para os inventores do laser, o aparato era pouco mais que um fenômeno quântico interessante. Hoje é difícil imaginar uma tecnologia mais útil em vários campos de aplicação, da medicina ao entretenimento.

Entender a energia escura não significará a cura do câncer, mas poderá trazer frutos igualmente inesperados e relevantes - e, de todo modo, refinar a compreensão do lugar que ocupamos no Cosmos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fora de ajuste fiscal de Dilma, universidades lideram contratações

Dois terços dos servidores admitidos de janeiro a agosto em concursos são docentes ou técnicos em instituições federais. Análise de Simon Schwartzman defende que docente não seja concursado.

Dois de cada três servidores admitidos por concurso público no governo Dilma Rousseff vão trabalhar, como professor ou técnico administrativo, em universidades e outras instituições federais de ensino superior. Com uma proporção de docentes por alunos elevada para padrões internacionais e para as próprias metas brasileiras, as universidades são a principal exceção no programa de ajuste fiscal deste ano, que proibiu contratações na maior parte dos ministérios.

Levantamento feito pela Folha mostra que, de janeiro a agosto -quando foram contratados no total 16.309 servidores- 4.204 professores e outros 6.669 funcionários ingressaram nos quadros das instituições de ensino superior mantidas pela União. Trata-se de um contingente semelhante ao dos empregados pela fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP), a maior da montadora no País.

As universidades já puxavam o crescimento do funcionalismo no governo passado, mas as proporções nunca foram tão altas como agora. Até o lançamento do programa de expansão do ensino superior, batizado de Reuni, professores e técnicos respondiam por um quarto das contratações do Executivo em 2007. No ano passado, pela metade.

O programa se tornou uma das principais bandeiras da propaganda política petista. Lula se gabava de ter sido o presidente que mais criou universidades na história - embora, das 14 mencionadas, nove sejam resultado de fusão, desmembramento ou ampliação de instituições preexistentes.

Os resultados também embalam o discurso do ministro Fernando Haddad (Educação), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2012 com apoio do ex-presidente e também responsável pela estratégia de ampliação do ensino técnico.

Controvérsia - Administrativamente, os dados são objeto de controvérsia. O censo do ensino superior realizado em 2009 pelo MEC apontou 72,2 mil docentes em atividade para 752,8 mil matrículas na rede federal, o que significa uma relação de um professor para 10,4 alunos.

Esse número é comparável ao praticado em países muito mais ricos, como Japão, Noruega e Islândia. Na Inglaterra, na França e nos EUA, há mais de 15 alunos por professor. Na rede privada brasileira, são 17,3. O dado oficial do ministério, no entanto, leva em conta também variáveis como o tempo de duração de cada curso. Por isso, a própria pasta calcula que há um professor para 13 estudantes universitários. A meta, como o programa de expansão, é elevar esse número a 18 até 2016.

O secretário de Educação Superior, Luiz Cláudio Costa, diz que houve mais contratações de professores para garantir a expansão e também a manutenção das universidades federais. Parte dos novos servidores são professores substitutos ou temporários. A outra tem cargo de professor efetivo (isto é, faz parte do quadro de funcionários). As universidades federais que mais receberam professores efetivos foram a UFBA (133), a UFPA (130), a UFRJ (126) e a UnB (106).

Universidade federal é cara e não tem tanta qualidade 
Análise de Simon Schwartzman defende que docente não seja concursado

O Brasil tem poucos estudantes de nível superior para o seu tamanho, 78% das matrículas são em instituições privadas e a maior parte das universidades públicas está nas capitais. Então, o governo dá dinheiro para as universidades públicas contratarem mais professores e abrirem mais vagas e anuncia a criação de novas universidades no interior de estados como Bahia e Pernambuco. O que pode haver de errado nisso?

Muita coisa, a começar pelo fato de que as universidades federais são muito caras e, com as exceções de sempre, não têm nem de longe a qualidade e a relevância que seria de se esperar.

Uma razão é que seus professores são contratados como funcionários públicos, nunca podem ser despedidos e recebem sempre a mesma coisa, pelo princípio da isonomia, como se dividissem seu tempo entre ensino e pesquisa - embora só uma pequena parte deles realmente faz trabalhos de pesquisa de alguma relevância.

A segunda razão é que as universidades federais são governadas por seus professores, funcionários e estudantes, que cuidam de seus interesses e não precisam estar atentos nem responder a metas, demandas e necessidades da região em que estão, nem em relação aos cursos que oferecem, nem em relação aos trabalhos de pesquisa e extensão que realizam na instituição.

Não é assim que as universidades públicas são formadas e funcionam nos países que levam a educação superior a sério. Nesses países, cada vez mais, as universidades têm missões claras a cumprir, seus dirigentes respondem a conselhos externos com a presença ativa de representantes do setor público e da sociedade, que zelam para que elas cumpram seus objetivos. Os professores também não são funcionários públicos, mas contratados de forma a impedir que se perpetuem nos cargos se não tiverem o desempenho esperado.

Nada sabemos sobre as missões dessas novas universidades e cursos que estão sendo criados, sobre o que será feito para que os professores que estão sendo contratados tenham as qualificações e o desempenho necessários, nem que existam mecanismos para avaliar e corrigir os rumos das instituições que não funcionem. Tudo indica que continuaremos tendo mais do mesmo, ou pior.

Simon Schwartzman é pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e foi presidente do IBGE.
(Folha de São Paulo)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Federal do ABC aposta em pesquisa, e 100% dos professores são doutores

Em cinco anos de existência, a Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André (SP), coleciona uma série de indicadores dificilmente encontrados em uma instituição de ensino superior ainda em processo de estruturação.

É a única universidade brasileira com 100% do quadro de 425 professores titulados com doutorado - com mais de 75 anos de história, a Universidade de São Paulo (USP) tem 96% de doutores à frente das aulas e pesquisas. A universidade do ABC adota postura agressiva em relação à pesquisa: em cinco anos abriu 14 programas de pós-graduação, e seus pesquisadores publicaram cerca de mil artigos científicos, com ênfase em estudos sobre nanociências, neurociências e cognição, simulação computacional, novos materiais e energia.

A UFABC também lançou no país o modelo pedagógico dos bacharelados interdisciplinares (BIs), graduação com três anos de formação geral, com uma grade curricular livre, seguida de curso de formação específica, como engenharias, licenciaturas ou ciências da computação. Um desses bacharelados, o de ciência e tecnologia, foi o curso mais procurado em 2011 no sistema unificado de seleção pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com 16,3 mil inscrições para 1,5 mil vagas, média de 11 candidatos por vaga.

Para o vice-reitor da universidade, o físico Gustavo Martini Dalpian, os bacharelados interdisciplinares são a maior prova de que, dentro da política de expansão do ensino superior federal, "a UFABC está dando certo". "O projeto pedagógico foi desenvolvido cuidadosamente e com o objetivo de inovar. Quatorze universidades federais passaram a utilizar o mesmo modelo de bacharelados interdisciplinares, instituições particulares vêm conversar com a gente para tentar entender e eventualmente implantá-lo. A Escola Politécnica da USP criou um grupo de trabalho, do qual participa o nosso reitor [Helio Waldman], com o objetivo de reformular o currículo das engenharias, e uma alternativa é instituir um programa multidisciplinar semelhante ao BI para um curso inicial. É um indicador claro de que a proposta é boa e promissora", avalia Dalpian.

"O curso é pesado, tem muito cálculo, física e computação. Já cansei de ficar por aqui estudando de manhã, à tarde e à noite", relata Cláudia Januário, formada no bacharelado interdisciplinar de ciência e tecnologia e em licenciatura focada em química. A estudante conclui no fim do ano a especialização em química, que completa o ciclo de formação iniciado no bacharelado, e já está se preparando para emendar um mestrado sobre biologia molecular na própria UFABC.

"Aqui o aluno se torna o gerente da própria carreira, um físico pode saber muito de biologia, um engenheiro pode se especializar em física", acrescenta o professor José Fernando Queiruga Rey, coordenador do bacharelado de ciência e tecnologia. "Montei meu currículo e fiz licenciatura junto com o bacharelado porque pretendo dar aulas na educação básica, mas ultimamente eu só tenho ficado no laboratório", conta Cláudia, que está decidida a seguir carreira acadêmica. "Não dá para entender como não existia uma grande universidade pública por aqui com tanta empresa em volta. Na área química tenho vários amigos estagiando."

Marco Camargo, formado nas primeiras turmas do bacharelado interdisciplinar e atualmente estudando engenharia de instrumentação, automação e robótica, está na quarta etapa de seleção para uma vaga de trainee na Siemens. Ele conta que "sofreu" no início do curso: "As turmas atuais estão mais bem servidas, com aulas de revisão para matemática e cálculo e uma infraestrutura muito melhor."

Como ocorre na maior parte das universidades que estão no processo de expansão, os atrasos nas reformas são sempre lembrados pelos estudantes. Há duas semanas, nas comemorações dos cinco anos da fundação da UFABC, o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escaparam de sonoras vaias de um grupo de 50 estudantes, que protestavam contra o atraso nas obras da instituição e por melhorias em algumas políticas universitárias, como assistência estudantil. Ricardo Senese, presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE), atenta para o problema envolvendo os cursos de engenharia, considerados carro-chefe da universidade. "Os prédios de salas de aula e laboratórios das engenharias não saíram do chão."

Apenas dois prédios e o restaurante universitário do campus principal, em Santo André, estão prontos. No campus São Bernardo do Campo, onde se concentram os bacharelados interdisciplinares voltados para humanas, as aulas ocorrem em espaço cedido pela prefeitura local. Mesmo assim, as instalações são novíssimas e modernas.

Na sede as salas de aulas têm ar-condicionado e projetores e os laboratórios são amplos, mas é possível notar carteiras usadas pelos alunos ainda embaladas em plástico, equipamentos encaixotados, e os laboratórios de ensino e pesquisa ainda não funcionam em plena capacidade. "O sistema de tubulação de gás, que permite o manuseio de maçaricos, ainda não chegou aqui", conta um monitor de laboratório.

Segundo o vice-reitor, os dois blocos de oito andares abrigam satisfatoriamente os mais de 5,5 mil alunos atualmente matriculados. De fato, o espaço físico de proporções gigantescas indica que a universidade está sendo preparada para acolher mais de 10 mil estudantes nos próximos anos.

"Entregamos 50 mil metros quadrados de instalações, 80% do projeto original. A empreiteira não cumpriu o cronograma do contrato e perdeu o trabalho. No momento estamos fazendo nova licitação para mais 50 mil metros quadrados de obras, que contemplam um ginásio de esportes, um teatro, um torre de caixa d'água, um bloco anexo para laboratórios, salas para professores e estacionamento, além da marquise que vai cobrir toda a área externa", explica Dalpian.
(Valor Econômico)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O paredismo nas universidades federais


Artigo de Amilcar Baiardi enviado ao Jornal da Ciência Email pelo autor.

Dois movimentos paredistas nas universidades federais, um ocorrido e outro em curso, sugerem uma reflexão do mundo acadêmico, da sociedade civil e da sociedade política. Um deles, a greve nacional dos servidores técnicos administrativos, ultrapassou 100 dias, encerrando-se na semana passada. O outro, paralisação / ocupação, a denominação varia dependendo de onde ocorra, de instalações universitárias, inclusive reitorias, pelos estudantes, tem tido uma duração menor, persistindo em alguns casos, atingindo várias universidades federais, entre elas as seguintes: UFSC, UnB, Ufscar, UFF, UFES, Unifesp, UFMT e UFRB.

No caso da greve nacional dos servidores técnicos administrativos, a pauta do movimento grevista contemplava o cumprimento de um acordo assinado em 2007, um novo piso salarial e, para não se restringir a pleitos meramente corporativos, incluía a rejeição ao Projeto de Lei 1749-C/2011, que propõe a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A., EBSERH, entidade à qual, de acordo com proposta do poder executivo, caberia "implantar um modelo de gestão mais ágil, eficiente e compatível com as competências dos hospitais universitários, além de oferecer solução jurídico-administrativa sustentável que solucione as crescentes dificuldades operacionais e os inúmeros questionamentos do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal a respeito do atual funcionamento dessas instituições".

A EBSERH, uma vez criada como empresa pública de direito privado, assumirá a gestão de todos os hospitais universitários, contratará pessoal pelo regime da CLT e os atuais servidores das universidades federais com funções hospitalares, poderão ser cedidos ao novo ente, com ônus para as instituições cedentes. Com a implantação da EBSERH as universidades federais perdem o controle de gestão dos seus hospitais e a autonomia universitária é desconsiderada. No momento o Projeto de Lei já passou pela Câmara de Deputados com emendas que não modificam sua essência e foi encaminhado ao Senado.

Aparentemente a greve dos servidores técnicos administrativos das universidades federais não levou a nenhuma conquista para a categoria. A Fasubra, Federação de Sindicatos de Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras, promoveu uma saída organizada do movimento, pois, sem acordo, ultrapassou-se o prazo de inclusão de qualquer reajuste salarial pretendido no orçamento da União para o próximo ano. Independente das razões que poderiam justificar uma greve dos servidores técnicos administrativos, como o não cumprimento de acordo pactuado, a rejeição ao Projeto de Lei 1749/2011 parece ser um ponto de pauta a exigir, no mínimo, mais discussão nas universidades, pela amplitude de suas implicações.

O fato é que a grande maioria dos hospitais universitários do Sistema de Instituições Federais de Ensino Superior, IFES, não tem como oferecer serviços de alta complexidade com suas receitas orçamentárias e com a obrigação de atender 40 milhões de pacientes do Sistema Único de Saúde, SUS. Dentre eles, os de melhor desempenho em suas missões são os da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, e da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, o primeiro porque é pioneiro em uma concepção de empresa pública de direito privado, a qual inspira a criação da EBSERH, e o segundo porque é, em parte, mantido, por uma organização da sociedade civil, Sociedade de Amigos do Hospital São Paulo.

A greve nacional dos servidores técnicos administrativos do sistema IFES cometeu um equívoco ao propor um ponto de pauta que diz respeito a interesses acadêmicos e sociais mais amplos, como a rejeição ao Projeto de Lei 1749/2011. A Fasubra, que elaborou a pauta, o fez por razões tipicamente ideológicas: discordar da gestão do patrimônio público por parte de uma empresa. De outro lado, o movimento paredista dos servidores técnicos administrativos das universidades federais conseguiu, indiretamente, provar que a greve desta categoria não paralisou as universidades, que seguiram, com pequenas dificuldades aqui e acolá, seu calendário acadêmico de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Isto permite a interpretação de que a alocação de servidores e seu quantitativo no âmbito das universidades federais estão a merecer análise.

Como prêmio de consolação, a Fasubra foi contemplada com um assento no Conselho de Administração da EBSERH, como prevê o artigo nove do Projeto de Lei 1749/2011. Aí cabe a pergunta: por que se deixou de incluir no conselho os sindicatos nacionais dos docentes do sistema IFES? Os professores, promovendo a formação de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas etc., tanto quanto os servidores técnicos administrativos, estão também presentes nos hospitais universitários.

A paralisação / ocupação de instalações universitárias, inclusive reitorias, pelos estudantes, o segundo tipo de movimento paredista, é, por sua vez, um movimento com muito maior legitimidade. Reflete o mesmo a insatisfação com precariedades existentes em muitas universidades federais e também é reflexo de expectativas criadas em termos de assistência estudantil, que não se materializaram. Há inúmeras obras paralisadas em quase todas as universidades federais e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, REUNI, na sua implantação centrou-se na quantidade de novos cursos e no aumento do número de matriculas. O quadro é tão dramático que conclusões de graduações estão ameaçadas por falta de laboratórios, equipamentos comunitários, hospitais etc., não concluídos.

Diante deste quadro há, paradoxalmente, manifestações díspares por parte de dirigentes universitários. De um lado, em 14 de setembro último, durante a abertura do encontro da Andifes, foro de dirigentes do Sistema IFES, o reitor João Luiz Martins (Ufop), declarou que é impossível pensar numa expansão qualificada da universidade sem pensar na pós-graduação, na pesquisa, na geração de conhecimento e formação de recursos humanos. "Nenhuma expansão pode ser feita sem ter qualidade. Não dá para pensarmos em expansão da graduação sem pensar também na Pós-Graduação" (sic), afirmou João Luiz.

Também em setembro, no dia 13, o reitor Paulo Gabriel Nacif (UFRB), em um evento interno de pós-graduação, pesquisa e iniciação científica declarou que: "construímos a maior autarquia do interior do Nordeste Brasileiro". Nenhuma referência foi feita ao imperativo da qualidade, na ocasião, em que pese a UFRB ser "vice lanterninha" no ranking de qualidade do MEC. Talvez por isso as instalações administrativas da UFRB estejam, há mais de 100 dias, ocupadas pelos estudantes e, em nível nacional, quiçá o descuido do MEC com a excelência universitária, tenha também provocado protestos como as vaias dos estudantes ao Ministro Haddad no dia 18 de setembro último, em São Paulo. Urge refletir sobre o que foi dito pelo reitor da Universidade Federal de Ouro Preto e sobre os nexos entre sua declaração e os movimentos paredistas.

Amilcar Baiardi é professor titular da UFBA e da UFRB e doutor em economia pela Unicamp. Foi professor visitante da Universidade de Aarhus, Dinamarca, e da Universidade de Bolonha, Itália e é membro da Academia de Ciências da Bahia