terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fora de ajuste fiscal de Dilma, universidades lideram contratações

Dois terços dos servidores admitidos de janeiro a agosto em concursos são docentes ou técnicos em instituições federais. Análise de Simon Schwartzman defende que docente não seja concursado.

Dois de cada três servidores admitidos por concurso público no governo Dilma Rousseff vão trabalhar, como professor ou técnico administrativo, em universidades e outras instituições federais de ensino superior. Com uma proporção de docentes por alunos elevada para padrões internacionais e para as próprias metas brasileiras, as universidades são a principal exceção no programa de ajuste fiscal deste ano, que proibiu contratações na maior parte dos ministérios.

Levantamento feito pela Folha mostra que, de janeiro a agosto -quando foram contratados no total 16.309 servidores- 4.204 professores e outros 6.669 funcionários ingressaram nos quadros das instituições de ensino superior mantidas pela União. Trata-se de um contingente semelhante ao dos empregados pela fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP), a maior da montadora no País.

As universidades já puxavam o crescimento do funcionalismo no governo passado, mas as proporções nunca foram tão altas como agora. Até o lançamento do programa de expansão do ensino superior, batizado de Reuni, professores e técnicos respondiam por um quarto das contratações do Executivo em 2007. No ano passado, pela metade.

O programa se tornou uma das principais bandeiras da propaganda política petista. Lula se gabava de ter sido o presidente que mais criou universidades na história - embora, das 14 mencionadas, nove sejam resultado de fusão, desmembramento ou ampliação de instituições preexistentes.

Os resultados também embalam o discurso do ministro Fernando Haddad (Educação), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2012 com apoio do ex-presidente e também responsável pela estratégia de ampliação do ensino técnico.

Controvérsia - Administrativamente, os dados são objeto de controvérsia. O censo do ensino superior realizado em 2009 pelo MEC apontou 72,2 mil docentes em atividade para 752,8 mil matrículas na rede federal, o que significa uma relação de um professor para 10,4 alunos.

Esse número é comparável ao praticado em países muito mais ricos, como Japão, Noruega e Islândia. Na Inglaterra, na França e nos EUA, há mais de 15 alunos por professor. Na rede privada brasileira, são 17,3. O dado oficial do ministério, no entanto, leva em conta também variáveis como o tempo de duração de cada curso. Por isso, a própria pasta calcula que há um professor para 13 estudantes universitários. A meta, como o programa de expansão, é elevar esse número a 18 até 2016.

O secretário de Educação Superior, Luiz Cláudio Costa, diz que houve mais contratações de professores para garantir a expansão e também a manutenção das universidades federais. Parte dos novos servidores são professores substitutos ou temporários. A outra tem cargo de professor efetivo (isto é, faz parte do quadro de funcionários). As universidades federais que mais receberam professores efetivos foram a UFBA (133), a UFPA (130), a UFRJ (126) e a UnB (106).

Universidade federal é cara e não tem tanta qualidade 
Análise de Simon Schwartzman defende que docente não seja concursado

O Brasil tem poucos estudantes de nível superior para o seu tamanho, 78% das matrículas são em instituições privadas e a maior parte das universidades públicas está nas capitais. Então, o governo dá dinheiro para as universidades públicas contratarem mais professores e abrirem mais vagas e anuncia a criação de novas universidades no interior de estados como Bahia e Pernambuco. O que pode haver de errado nisso?

Muita coisa, a começar pelo fato de que as universidades federais são muito caras e, com as exceções de sempre, não têm nem de longe a qualidade e a relevância que seria de se esperar.

Uma razão é que seus professores são contratados como funcionários públicos, nunca podem ser despedidos e recebem sempre a mesma coisa, pelo princípio da isonomia, como se dividissem seu tempo entre ensino e pesquisa - embora só uma pequena parte deles realmente faz trabalhos de pesquisa de alguma relevância.

A segunda razão é que as universidades federais são governadas por seus professores, funcionários e estudantes, que cuidam de seus interesses e não precisam estar atentos nem responder a metas, demandas e necessidades da região em que estão, nem em relação aos cursos que oferecem, nem em relação aos trabalhos de pesquisa e extensão que realizam na instituição.

Não é assim que as universidades públicas são formadas e funcionam nos países que levam a educação superior a sério. Nesses países, cada vez mais, as universidades têm missões claras a cumprir, seus dirigentes respondem a conselhos externos com a presença ativa de representantes do setor público e da sociedade, que zelam para que elas cumpram seus objetivos. Os professores também não são funcionários públicos, mas contratados de forma a impedir que se perpetuem nos cargos se não tiverem o desempenho esperado.

Nada sabemos sobre as missões dessas novas universidades e cursos que estão sendo criados, sobre o que será feito para que os professores que estão sendo contratados tenham as qualificações e o desempenho necessários, nem que existam mecanismos para avaliar e corrigir os rumos das instituições que não funcionem. Tudo indica que continuaremos tendo mais do mesmo, ou pior.

Simon Schwartzman é pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e foi presidente do IBGE.
(Folha de São Paulo)

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