segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As políticas equivocadas de nossas agências de fomento

por Prof. Dr. Otávio A. S. Carpinteiro

Universidade Federal de Itajubá, MG



Em entrevista à Fapesp (http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3845&bd=1&pg=1&lg=), em maio de 2009, o ministro Sérgio Rezende descreve sua participação na criação e desenvolvimento do centro de pesquisas na área de física, na UFPE, na década de 70. É muito interessante a entrevista, pois apresenta vários pontos em comum com relação às dificuldades que encontram os pesquisadores que se dispuseram a criar e desenvolver, na última década, novos centros de pesquisas no interior de todas as regiões do país.


O ministro narra, por exemplo, sua relutância em criar do nada o centro de pesquisas na UFPE, pois era-lhe bem mais fácil e cômodo integrar-se ao grupo da UNICAMP, onde já havia recursos materiais e humanos de qualidade para o desenvolvimento de sua carreira como cientista. Narra, outrossim, sua grande dificuldade para trazer recursos humanos qualificados para o recém-criado centro na UFPE.


Os pesquisadores que, na última década, se dispuseram, tal como o ministro, a criar e desenvolver do nada novos centros de pesquisas no interior de todas as regiões do país, encontraram e encontram as mesmas dificuldades. Em verdade, encontram dificuldades bem maiores, pois, ao contrário do que ocorreu com o ministro nas décadas de 70, 80 e, quiçá, 90, não dispõem de fortes estímulos, de apoios, de fartas verbas do CNPq, da Finep, do BID e demais agências de fomento. Parece mesmo que as lições do passado de como se criam e desenvolvem novos centros de pesquisa foram esquecidas pelas agências de fomento.


Um outro artigo interessante é o da pesquisadora Marilene de Castilho Sá, publicado no portal da Faperj (http://www.faperj.br/servicos/buscaposgrad/pos_grad_RJ_apresentacao.phtml) e republicado no Jornal da Ciência E-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=64484). Neste artigo, a pesquisadora descreve as razões para as assimetrias entre as regiões do país. Dentre as razões apontadas, destaca-se a "concentração dos investimentos públicos federais que, historicamente, privilegiaram instituições onde os recursos humanos e a infraestrutura já atingiram índices de capacidade elevados". Acrescenta que "é importante destacar ainda que essas distorções também se repetem no interior de uma mesma região ou estado".


Embora as conclusões dos estudos da pesquisadora possam ser novidade para os dirigentes das agências de fomento e para os pesquisadores dos grandes centros de pesquisa, centros estes localizados nos principais municípios do país, para os pesquisadores dos pequenos centros de pesquisa, localizados no interior de todas as regiões do país, as conclusões dos estudos são evidentes, pois fazem parte de sua realidade quotidiana. Provavelmente, é a falta de conhecimento desta realidade que faz com que o CNPq, por exemplo, dedique uma parcela mínima de 30% (trinta por cento) dos recursos de seus editais de fomento para projetos coordenados por pesquisadores vinculados a instituições sediadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.


Conforme já apontado no artigo "A quem se dirige o Edital Universal 2008?", publicado no portal Democracia e Transparência em C&T (http://democracia-e-transparencia-em-ct.blogspot.com/2009/08/quem-se-dirige-o-edital-universal-2008.html) e no Jornal da Ciência E-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=57672), de autoria de um professor de um pequeno centro de pesquisas na área de computação no interior da região sudeste, "embora o objetivo do CNPq seja louvável, qual seja, o de fomentar a criação e o crescimento de centros de pesquisa nestas regiões, parece-me que a forma com que pretende fazê-lo não é muito adequada, por dois motivos. Primeiro, porque também existem diversos pequenos centros de pesquisa, em formação e em crescimento nas demais regiões do país. Segundo, porque, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste também existem muitos grandes e consolidados centros de pesquisa, que, a meu ver, não necessitam de apoios diferenciados por parte do CNPq. Seria, portanto, melhor se o CNPq apoiasse apenas os pequenos centros destas três regiões, ou melhor ainda, talvez, se apoiasse os pequenos centros detodas as regiões do país, de forma indistinta".


É necessário precisar o que sejam grandes centros e pequenos centros de pesquisa. Conforme o artigo "Renovação dos Comitês Oligárquicos do CNPq", publicado no portal Democracia e Transparência em C&T (http://democracia-e-transparencia-em-ct.blogspot.com/2009/07/renovacao-dos-comites-oligarquicos-do.html) e no Jornal da Ciência E-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63284), "um grande centro em uma determinada área do conhecimento é um centro de pesquisas, localizado em uma pequena ou grande universidade (ou centro tecnológico), que possua grupos de pesquisa, cursos de graduação, de mestrado e de doutorado consolidados, ao longo de anos, nesta determinada área do conhecimento. Um pequeno centro em uma determinada área do conhecimento é um centro de pesquisas que não possua estas quatro condições, ou que possua algumas destas quatro condições ainda em fase de formação. Assim, usualmente, uma universidade pequena contém um pequeno número de grandes centros em apenas algumas poucas áreas do conhecimento. Uma universidade grande, por outro lado, possui um grande número de grandes centros em diversas áreas do conhecimento.


Seria muito conveniente que os dirigentes e os membros dos Conselhos e Comitês de nossas agências de fomento lessem, na íntegra, a entrevista do ministro Sérgio Rezende e o artigo da pesquisadora Marilene de Castilho Sá. Evitar-se-iam, assim, as políticas e os editais discriminatórios, sempre em favor dos atuais grandes centros de pesquisa do país, lançados por estas agências.


As agências de fomento vêem os grandes centros de pesquisa do país como centros de excelência. No entanto, como podem ser centros de excelência se nunca alcançam a maturidade, a maioridade? Como podem ser centros de excelência se não conseguem caminhar por suas próprias pernas? se, durante décadas, dependeram e continuam dependendo, sempre e fortemente, dos financiamentos públicos para produzir resultados? Já os pequenos centros de pesquisa do país, centros em formação, que sobrevivem e produzem resultados com recursos materiais e humanos limitados, fruto do descaso das agências de fomento, não seriam, com mais razões, também centros de excelência?


É lícito às agências de fomento lançar editais que visem exclusivamente abarcar determinados grupos de pesquisadores, determinados centros de pesquisa, determinadas áreas do conhecimento. Não é correto nem ético nem justo, porém, quando não há contrapartidas, ou seja, quando não há outros editais que contemplem, com o mesmo volume de financiamento, os grupos, os centros e as áreas do conhecimento que não foram abarcados por editais anteriores. Se editais são lançados sem contrapartida, passam a ser editais discriminatórios, visando favorecer exclusivamente determinados segmentos em detrimento dos demais.


Assim, por exemplo, qual a contrapartida para os programas de pós-graduação de nível 3 das regiões sul e sudeste que, sem motivo, foram excluídos de participar dos editais CNPq 027/2007 e CNPq 070/2008? qual a contrapartida para os pesquisadores dos pequenos centros que, pelos critérios equivocados do CNPq, que julgam de forma igual os desiguais, não conseguem obter bolsas de pesquisa de nível 1 nem podem participar, como membros, dos Comitês Assessores? qual a contrapartida para os pesquisadores dos pequenos centros que, por não conseguirem ser bolsistas de pesquisa de nível 1 e por não terem representantes nos Comitês Assessores do CNPq, têm seus processos preteridos nas faixas B e C dos Editais Universais, nos Editais PDE e demais editais do CNPq, mesmo apresentando excelentes projetos? qual a contrapartida para os pesquisadores dos pequenos centros que, pelos critérios equivocados da Fapemig, que também julgam de forma igual os desiguais, não conseguem obter bolsas de pesquisador mineiro? qual a contrapartida para os pequenos centros de pesquisa que, por não possuírem bolsistas de pesquisa de nível 1A ou 1B, não puderam candidatar-se a receber, ao menos, uma pequena parcela dos "rios de dinheiro público" destinados aos grandes centros de pesquisa, através do edital dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia?


Estas políticas e editais discriminatórios seriam uma vergonha, não fossem uma lástima para o desenvolvimento uniforme da ciência e tecnologia nacionais e, por conseguinte, para o desenvolvimento humano e econômico dos municípios menos favorecidos de todas as regiões do país, municípios estes que, usualmente, abrigam os pequenos centros de pesquisa.


Na mesma direção, assinou-se recentemente, no dia 22 de junho, um acordo, com duração de 36 meses, entre a Capes e a Fapemig, para beneficiar exclusivamente os programas de pós-graduação de níveis 6 e 7 do estado de Minas Gerais. Trata-se do Programa de Apoio a Cursos nota 6 e 7 (PACSS) (http://www.fapemig.br/destaques/destaque_descricao.php?cod=753http://www.fapemig.br/destaques/destaque_descricao.php?cod=685,http://www.fapemig.br/destaques/destaque_descricao.php?cod=759http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/2837-capes-libera-recursos-para-programas-de-pos-graduacao-de-alto-nivel).


Por este programa PACSS, recursos de dez milhões de reais, divididos entre Capes e Fapemig, serão destinados aos programas de pós-graduação de níveis 6 e 7 (e provavelmente, também aos de nível 5), para equipá-los com infra-estrutura laboratorial adequada. Além disto, pesquisadores dos programas de nível 7, exclusivamente, poderão concorrer a um novo tipo de bolsa, denominada Bolsa Conhecimento Novo, a ser oferecida, por um período de três anos, para que estes pesquisadores sejam "incentivados", segundo informa o portal da Fapemig, a atuar na "fronteira do conhecimento".


Os pesquisadores dos pequenos centros de pesquisa de Minas Gerais esperam firmemente que o programa PACSS não venha a engrossar o rol dos editais discriminatórios lançados pelas agências de fomento. Esperam, portanto, que, nos próximos meses, seja divulgada, pela Fapemig, a contrapartida a este programa.



(Este artigo foi enviado ao presidente da Fapemig, solicitando-lhe uma resposta, por carta, às seguintes duas perguntas: a) em qual data a Fapemig irá lançar um edital que contemple cada programa de pós-graduação de nível 3 e 4 de Minas Gerais com o mesmo volume de financiamento destinado, pelo PACSS, aos programas 5, 6 e 7? b) em qual data a Fapemig irá lançar um edital que contemple, com Bolsas Conhecimento Novo, os pesquisadores dos programas de pós-graduação de níveis 3 a 6 de Minas Gerais?)



Fonte: Blog Democracia & Transparência em C&T

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