terça-feira, 27 de abril de 2010

Atividade de pesquisa na Universidade Federal da Bahia: sob ameaça?

por Caio Castilho

"Uma boa universidade pratica bom ensino e interage com a sociedade que a financia. Mas só inova quem faz pesquisa"



Caio Castilho é doutor em Física pela Universidade de Cambridge e professor do Instituto de Física da UFBA. Artigo publicado no jornal "A Tarde":

Algum tempo atrás, ilustre pesquisador da UFBA afirmava: "A atividade de pesquisa na UFBA é uma questão de foro íntimo". Uma frase estranha! Afinal, a pesquisa não é atividade essencial de uma universidade? Seria uma atividade não institucionalizada?

Quando se apresentam candidatos à reitoria, é essencial refletir sobre a situação da atividade de pesquisa na UFBA e o que podem esperar a sociedade e os pesquisadores, dos candidatos à nova gestão.

A UFBA aprovou novo regimento interno, que adota práticas ameaçadoras à atividade de pesquisa. Exemplo é o significativo aumento na carga didática para docentes de cursos de pós-graduação, com atividade regular de pesquisa, formação de mestres e doutores e iniciação científica de alunos de graduação. A carga mínima ora fixada, mais que ameaça, significa sentença de morte. E esta não é a única.

Antes da aprovação do novo regimento já houvera mudanças na estrutura da universidade que causaram e continuam causando danos a ativos e internacionalmente reconhecidos órgãos de pesquisa. São os casos do Centro de Recursos Humanos, Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher, Centro de Pesquisa em Geofísica e Geologia, Centro de Estudos Interdisciplinares em Energia e Ambiente, entre outros. Estes Centros/Núcleos perderam, ou poderão perder, boa parte dos meios administrativos e técnicos mínimos necessários à sua atuação.

Outra ameaça vem de recente determinação do Conselho Universitário, relativa à captação de recursos de pesquisa, que prevê o Nihil obstat de um órgão colegiado no qual uma maioria eventual pode impedir a realização de pesquisas, ainda que aprovadas por comitês específicos, constituídos de pesquisadores com mérito formal e nacionalmente reconhecido, ou mesmo por agências de financiamento vinculadas aos governos estadual e federal.

É universal o reconhecimento de que o exercício da "Liberdade Acadêmica" fica ameaçado se sujeito à mordaça de maiorias, particularmente quando elas se constituem no seio de órgãos de natureza essencialmente política.

O progresso científico, a criação, a invenção e o produzir do novo requerem o oxigênio da liberdade de pesquisa, de indivíduos e grupos, independentemente de serem apoiados por maiorias ou minorias, restringida apenas por parâmetros éticos instituídos.

Sabe-se da influência que dirigentes exercem sobre órgãos colegiados que presidem. Muitos deles não exercem atividade regular de pesquisa, nem atuam em cursos de pós-graduação. As atividades de pesquisador e de dirigente, mesmo não excludentes, não são sinônimas.

Outra ameaça diz respeito aos pesquisadores bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq. Esta agência concede bolsas a docentes que realizem pesquisa e que, avaliados periodicamente por seus pares, apresentem indicadores de excelência na formação de recursos humanos, bem como resultados relevantes na pesquisa básica, aplicada e/ou inovação.

Em várias unidades da UFBA, esses pesquisadores, além de não receberem qualquer reconhecimento pela contribuição agregada à instituição, são perseguidos e estigmatizados.

Uma boa universidade pratica bom ensino e interage com a sociedade que a financia. Mas só inova quem faz pesquisa. Inovação aqui num sentido amplo: o de produzir o novo, inventar, descobrir, conceber, reinventar, estabelecer modelos visando compreender o que ainda não se entende, enfim, pesquisar.

Entre as melhores universidades do mundo, aquelas que mais se notabilizam são as que apresentam excelência na pesquisa que realizam. E, porque pesquisam bem, ensinam bem e se relacionam proficuamente com a sociedade.

No momento em que a UFBA escolhe novo reitor, é, pois, relevante que os candidatos ultrapassem o vago compromisso de "defender uma universidade pública, democrática e de qualidade", e assumam propostas objetivas, concretas, claras e de natureza prática, que contemplem a atividade de pesquisa. Só a adoção de ações institucionais que favoreçam a atitude investigativa evitará que a pesquisa na UFBA continue a ser "uma questão de foro íntimo".

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