segunda-feira, 17 de maio de 2010

POR QUE NÃO SOU CANDIDATO A REITOR


 Tenho sido indagado do porquê não sou candidato a reitor. O apoio recebido na consulta passada, principalmente dos estudantes, sugeriu a muitas pessoas essa indagação.  E, a outras, estimulou algumas especulações.
            O que houve? Mudei de opinião acerca da Universidade Pública? Deixei-me levar pela carreira de dirigente universitário, assumindo uma chefia de departamento e uma vice-direção de Faculdade e me tornei um acomodado às circunstâncias? Tenho novos parceiros de trabalho, cuja amizade e apoio pedem em troca a submissão das minhas idéias?
            Nenhuma dessas hipóteses. Assumi a chefia do Departamento de Administração porque meus colegas me pediram que o fizesse, para enfrentar a situação de desgaste e dilaceração do órgão. Aceitei a vice-direção da Faculdade para construir e zelar por um acordo, firmado em papel e divulgado, que inclui a alternância na direção da Unidade, entre os departamentos, o empenho e apoio na reconstrução do quadro docente e o compromisso com o avanço da democracia na UFF, inclusive o voto paritário.
            Os meus colegas de trabalho, com quem convivo em ambiente de  respeito mútuo e sincera cooperação, os quais apóiam a gestão do professor Roberto Salles, estão cumprindo seus acordos e nunca me pediram qualquer recuo e nenhuma concessão no plano das idéias e do comportamento. Menos ainda esperavam que me afastasse dos meus companheiros que fazem dignamente o movimento docente. Leia-se, em maiúsculas: ADUFF e ANDES.
Igualmente, sabedores do que penso, não me pediram o voto no atual reitor.
            Não sou candidato porque não houve movimento social, político e acadêmico transformador, com vigor suficiente para dar razão a uma candidatura.  Porque foi este o motivo que me levou à disputa, há quatro anos passados. Não foi o meu gosto ou vontade.
            E porque não voto no professor Roberto Salles ?
Porque sinto falta, em seu projeto, do compromisso com critérios acadêmicos e sociais da Universidade pública.
A Universidade pública deve zelar pelas referências acadêmicas, da admissão dos seus professores, ao uso de tecnologias de ensino; do tamanho das turmas, aos processos de seleção dos discentes para seus cursos de pós-graduação. Os padrões de funcionamento devem ser a qualidade do ensino, o incentivo à pesquisa e a verdadeira extensão. Vemos na UFF um excessivo alinhamento com a política de obter estatísticas, seja através de turmas presenciais abarrotadas, seja através do uso indiscriminado do ensino à distância, no espírito do REUNI. Há muito apego à rentabilidade financeira dos cursos de pós-graduação e das pesquisas.Uma distorção crescente da finalidade da extensão, hoje em parte usada como fonte de renda, ao invés da retribuição da Universidade à sociedade – como foi concebida. Vemos finalmente a cadente expressão da UFF no ambiente acadêmico, social e político do Rio de Janeiro e do Brasil. Sua presença no cenário dos grandes debates tem sido irrelevante, absolutamente desigual em relação a outros centros de estudo e instituições. Nossos especialistas de quem, no convívio e na produção diária, temos provas de competência e excelência, não são devidamente projetados, porque a própria Universidade perdeu projeção. Faltam cuidados para que nossos docentes elevem suas qualificações e titulações. Não há orientação e apoio. Continuamos entregues ao esforço pessoal para acessar os mestrados e doutorados que  possibilitem a ascensão no mundo acadêmico e na carreira.
Destaca-se, nesta opção por critérios não-acadêmicos, o predomínio do ensino de pós-graduação pago. Verifica-se assustadora expansão do critério econômico para ter acesso à pós-graduação lato sensu e aos mestrados profissionais. O critério do mérito, que permitiria o acesso das pessoas de baixa renda, perde força na UFF. A universidade pública, concebida para dar oportunidade também aos carentes, estreita a estes suas portas.
Não é válido o argumento de que a pós-graduação é um plus, passo superior, e que apenas a graduação deve ser gratuita. Sabe-se que as oportunidades do mercado cada vez mais exigem a pós-graduação. Se há 30 anos, a graduação era uma condição básica para a busca do emprego, esta condição hoje é a pós-graduação. Frustra-se uma das fundamentais finalidades da Universidade pública, quando, ao contrário de servir aos mais necessitados, aumenta o fosso entre eles e os abastados.  Contribui, assim, a UFF para o aprofundamento da desigualdade, com todas as conseqüências conhecidas, da má qualidade dos serviços e produtos, à insegurança pública.
Este critério econômico igualmente empobrece o campo da pesquisa, dado que não são os melhores graduados que chegam à pós-graduação, ambiente privilegiado da investigação científica, mas aqueles que têm condições financeiras para obter o acesso.
Também não é válido dizer, como se tem dito, que a Universidade não sobrevive sem os 25% dos cursos pagos. Assim como a Universidade obteve recursos para obras, edificações, máquinas e equipamentos, junto ao governo, em programa de recuperação patrimonial que se julgava impossível, também é possível conquistar um programa que sustente a pós-graduação nos termos constitucionais da gratuidade.
Seja como for, não é razoável que em nome da sobrevivência de uma instituição se justifique um procedimento que é o oposto aos fins últimos dessa instituição.
Tenho absoluta certeza de que os professores da UFF integrariam um grande plano de pós-graduação gratuita se a direção da Universidade o assumisse e se esforçasse por implementá-lo. Ademais, não lhe falta capacidade para captar recursos públicos para isto.
Estas são as minhas razões para não votar  no professor Roberto Salles e deste modo não acompanhar inúmeros colegas e até amigos, aos quais continuarei a distinguir e com os quais continuarei a trabalhar, funcional e academicamente.       
A propósito, reconheço a cordialidade dos atuais dirigentes, a disposição de conviver com a diversidade de idéias e de ouvir críticas. É um mérito que tem notável valor no ambiente do estudo, da produção do saber e do trabalho coletivo.
            Mas esta atitude valorosa não deve inibir a fala – ela  existe e é provada exatamente quando se fala o que a autoridade não gosta de ouvir.
            É o que faço agora para dizer que o fato de não ser candidato não significa que esteja satisfeito, nem que não queira mudar.
            Significa apenas que as forças da mudança não voltaram à disputa direta, como fizemos anos atrás. Mas suas concepções de universidade pública vivem. São princípios e quem tem princípios estará sempre recomeçando. Além disto, não devemos nos omitir no processo e na escolha. Devemos falar; como estou falando. Devemos votar; como irei votar.
            O voto nulo tem sentido se acompanhado de uma alternativa de ação. Não é o caso.  
            Por isto, votarei no professor Francisco Palharini.
            Trata-se da escolha daquele que mais próximo se encontra do que pensamos.
             Sentia-me devedor destas explicações - mais pelos que indagam, do que pelos que especulam.
            Saudações acadêmicas, 
 Maio de 2010                                                                             Professor Claudio Gurgel

Nenhum comentário:

Postar um comentário