terça-feira, 23 de março de 2010

O custo da educação, entrevista com Howard Stevenson

Responsável por captar recursos em Harvard, Howard Stevenson diz que as universidades brasileiras devem utilizar prestígio e ex-alunos para captar recursos
Acadêmico responsável pela "capitalização" da Universidade Harvard, Howard Stevenson afirma que as universidades brasileiras estão "perdendo" um "dinheiro precioso" para financiar projetos de educação e de pesquisa científica por falta de habilidade de captar recursos junto à iniciativa privada e aos milionários brasileiros.

Para Stevenson, as universidades brasileiras não utilizam seu prestígio, rede de relacionamentos e força de ex-alunos influentes para viabilizar o avanço científico. Ele integra o conselho do Insper (antigo Ibmec-SP) e esteve no Brasil para ensinar "técnicas de captação".

 - As universidades e institutos de pesquisa brasileiros negligenciam a capacidade de se financiar?

Sim. Eles estão perdendo um dinheiro precioso que faz muita falta. O Brasil precisa criar instituições e mecanismos para ajudar a financiar sua produção acadêmica e científica.

- Falta ao Brasil incentivos para estimular as doações?

Esse não é o problema; é uma desculpa. Claro que se tiver incentivo ficará mais fácil. Os doadores querem sempre que os outros saibam que eles se importam com determinados problemas da sociedade e que, por isso, colocam dinheiro em suas soluções. Os bilionários se perguntam se podem comprar um segundo avião ou se vão fazer alguma coisa importante para o mundo. Para essas pessoas, o ponto não é ter mais dinheiro, mas o que esse dinheiro pode fazer para mudar o mundo.

- Nos EUA, os milionários deixam suas fortunas para fundações porque, se transferirem aos filhos, vão pagar muito imposto. As regras brasileiras são brandas?

O problema é que, se você não confia tanto no sistema, tem de ficar seguro de que seus filhos ficarão protegidos e terão o controle dos seus negócios e das suas propriedades. Por isso, a importância da sucessão familiar aqui.

- No caso de Harvard, os ex-estudantes tiveram um papel importante na captação de recursos. Como viabilizar isso aqui sem as associações de alunos?

Vocês não sabem nem onde eles moram! Como vão reuni-los em torno de algum projeto? Os antigos estudantes têm interesse em manter contato para fazer "networking" e galgar postos nas empresas. Os principais doadores são sempre antigos estudantes.

- Alguns setores universitários argumentam que a ciência não pode se curvar aos interesses privados, daí o afastamento.

Na verdade, eu concordo. Mas há interesses privados de resolver determinados problemas da sociedade.

- Como deve ser a abordagem para captar recursos?

Não devem dizer que precisam de um prédio novo, mas que querem encontrar solução para um problema. E que, para isso, precisam de um prédio, laboratório etc. Na pesquisa científica, precisamos ter um capital confortável o suficiente para nunca se pagar. Precisa fazer coisas arriscadas, mas que podem mudar o futuro.

- Os ricos brasileiros são doadores generosos?

Não sou especialista, mas vi muitos deles mais preocupados, no passado, em achar um meio para tirar seu dinheiro do país. Agora, tenho visto alguns preocupados em trazer esse dinheiro de volta.

- Qual a importância da transparência e do feedback?

É enorme. Os doadores querem ver os frutos de sua caridade.

- Em que área o ensino superior brasileiro poderia focar mais?

Acho um erro forçar as pessoas a se especializarem tão cedo no Brasil. Uma das coisas importantes da universidade é ajudar as pessoas a terem um entendimento mais amplo do mundo. Como uma pessoa pode ser um bom advogado aos 23 anos?

Cultura no Brasil é outra, diz associação

As universidades brasileiras devem, sim, captar mais recursos junto a ex-alunos e interessados em financiar estudos ou pesquisas, mas é preciso considerar que tanto a cultura da sociedade quanto o nível de renda são bem diferentes nos EUA e no Brasil. A opinião é de Gustavo Balduíno, secretário-executivo da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior).

Balduíno conhece casos bem e malsucedidos de universidades que foram atrás de doações e diz que esse tipo de aporte é sempre bem-vindo, mas não pode ser a base de sustentação das instituições, já que o fluxo de recursos é imprevisível.

No caso das universidades federais, ele diz que a captação é muito complexa, já que todo o dinheiro gasto deve estar previsto em orçamento aprovado pelo Congresso. "A universidade federal não tem autonomia para gerenciar os seus recursos."

No Insper (antigo Ibmec-SP), há um departamento estruturado para viabilizar as captações para financiar bolsas para graduação e os centros de estudos e pesquisa.

Para construir o prédio, em 2005, o instituto preferiu pedir doações a apelar ao merchandising. Empresas fizeram doações em homenagem a personalidades, como o banqueiro Jorge Paulo Lehman (Garantia), cujo nome batizou uma das salas de aula. Acabou arrecadando R$ 12 milhões, mais do que precisava. Formou assim o primeiro fundo para bolsas, que hoje atende cerca de 10% dos alunos de graduação.
(Toni Sciarreta)
(Folha de SP, 22/3)

Fonte: JC e-mail 3973, de 22 de Março de 2010.

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