quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Inovação e a cobra que mordeu o rabo

Artigo de Ronaldo Mota na Folha de São Paulo de hoje (8).

Inovação refere-se ao desenvolvimento de um novo produto ou processo, bem como à funcionalidade inédita de um produto já existente, que atende a uma demanda específica do público consumidor ou que gera nichos previamente inexistentes de mercado. Inovação está conectada à aplicação de conhecimentos associados ao desenvolvimento de ciência e tecnologia; contemporaneamente, é o principal elemento propulsor da economia mundial.

A ciência pode engendrar tecnologias que, a depender da capacidade de absorção do mercado e da escala do público consumidor, podem se caracterizar como inovação. Essa cadeia linear distanciou a livre e descompromissada produção do conhecimento, a ciência, da extremidade oposta vinculadas às demandas do mercado consumidor, que é a inovação. A realidade recente impõe que a forma de produzir conhecimentos e de transmiti-los tem-se alterado radical e profundamente.

Classicamente, ciência se assenta na liberdade individual de cátedra e em linhas de pesquisa que caracterizavam o pesquisador tradicional, cuja função primeira tem sido alargar as fronteiras, indo além do estado da arte. A principal motivação dos temas são os desafios inerentes à subárea, sendo as eventuais aplicações futuras definidas em outros contextos e em tempos de escalas diversas, a depender da linha de pesquisa específica.

O Brasil demonstrou nas últimas décadas uma capacidade extraordinária de produzir conhecimentos dentro da estratégia acima, tendo consolidado uma pós-graduação de qualidade e uma produção científica crescente em níveis bem acima da média mundial. Por outro lado, atestamos até aqui uma notável fragilidade em transferir conhecimento ao setor produtivo, ainda que tenhamos como exceções as áreas do agronegócio e raros setores industriais bem identificados.

A verdade é que, nos tempos atuais, os balizadores com que se produz ciência têm se alterado de tal forma que uma nova dinâmica impõe que as demandas da sociedade passem a ser, cada vez mais, os elementos definidores, ainda que não sejam os únicos, dos principais programas de pesquisa.

Da pesquisa quase individual passamos rapidamente às imprescindíveis redes de pesquisa; das linhas de pesquisa quase isoladas estamos migrando para programas de natureza multidisciplinar, motivados por demandas em geral complexas e, portanto, praticamente intratáveis à luz de linhas de pesquisa ou indivíduos isolados.

Os movimentos acima podem ser descritos por uma substituição gradativa da cadeia linear por um círculo completo contemplando ciência, tecnologia e inovação, em que as demandas da inovação influenciam e de certa forma definem os rumos da ciência. É a cabeça da cobra que mordeu o rabo.

Ronaldo Mota é secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e professor titular de física da Universidade Federal de Santa Maria. Foi secretário de Educação Superior e de Educação a Distância do Ministério da Educação.

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