terça-feira, 6 de setembro de 2011

O social na fronteira das ciências

Artigo de Luciano Mendes publicado no O Estado de Minas de sábado (3/9).

O governo federal lançou recentemente, com grande alarde e apoio da comunidade científica brasileira, o Programa Ciência sem Fronteiras. Segundo informações oficiais, o programa pretende baneficiar 75 mil pessoas em quatro anos. A maioria receberá bolsa para estudos no exterior em várias modalidades. Para ter uma ideia, apenas uma das agências federais envolvidas, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pretende conceder 14 mil bolsas para alunos de graduação estudarem de seis meses a um ano no exterior.

O programa é muito interessante e apresenta grandes méritos, daí a quase unanimidade com que foi acolhido pela comunidade científica. No entanto, é de lamentar a ausência das ciências humanas e sociais. Talvez isso se deva à ideia de que o país ganharia muito pouco, ou nada, com o envio de estudantes dessas áreas ao exterior. O contrário ocorreria com as áreas das ciências exatas, das engenharias e de todas as outras que aparecem como prioritárias para o programa.

Talvez devêssemos discutir se os estudantes de graduação das ciências exatas e das engenharias, por exemplo, vão para o exterior aprender cálculo, geometria, física ou química geral. É evidente que não. Isso eles poderiam aprender, alguma vezes, muito melhor, no Brasil. Trata-se, é claro, de oportunizar a esses jovens entrar em contato com outras culturas acadêmicas, científicas e políticas, as quais, acredita-se, propiciariam melhores condições para que se engajem na produção de uma ciência mais comprometida com o desenvolvimento tecnológico, mais próxima da indústria do que dos laboratórios universitários, por assim dizer. O fundamental, parece-me, é que o programa favorecerá a esses jovens universitários brasileiros o encontro com o outro, com o estrangeiro e a construir novas maneiras de ver o próprio Brasil. Enfim, trata-se de uma oportunidade criada para esses profissionais serem não apenas mais competentes, mas também mais sábios.

O que é difícil de entender é por que o programa não supõe que essa experiência de contato com o outro não é necessária justamente para aqueles profissionais formados pelas ciências humanas e sociais, já que eles, no cotidiano do seu trabalho nos serviços públicos, nas escolas, nos movimentos sociais etc., precisam exercitar-se no atendimento, no cuidado, na relação com o outro. Será que para a formação desses profissionais não seria até mais importante essa experiência de contato com o estrangeiro, com o outro, com a alteridade, para construir novas e mais ricas possibilidades de atuarem profissionalmente? Será que não estamos, na verdade, nos engajando numa política científica que supõe que o desenvolvimento social virá do desenvolvimento científico? Será que, capturada pela lógica econômica, a lógica do Programa Ciência sem Fronteiras se esquece que são os cientistas sociais os gestores do social e que, portanto, eles também têm que ter uma formação adequada a estes novos tempos? Será que nossos colegas que produziram o programa e a presidente da República, que o sancionou, imaginam que é possível desenvolvimento social sem o aprendizado de uma cultura política democrática sólida, sem a convivência da diversidade que o contato com o outro supõe ou sem o conhecimento produzido e cultivado pelas ciências humanas e sociais?

Quem sabe se o programa rompesse não apenas as fronteiras geográficas, mas também entre as ciências, considerando-as todas relevantes para o desenvolvimento social, não teríamos melhores condições de fazer deste não apenas um país de grande desenvolvimento econômico (já somos a sétima. economia do mundo) e científico (já somos o décimo terceiro em publicação de artigos indexados), mas também mais democrático e de melhor distribuição de renda?

Luciano Mendes de Faria Filho é professor de história da educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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