quinta-feira, 8 de julho de 2010

O círculo do mal da educação brasileira

por artigo de Paulo Ghiraldelli Jr.

"Para que o recém-formado na universidade pública se dirija à escola pública e lá fique trabalhando, o salário precisa ser equiparado ao salário de entrada na universidade pública. Fora disso, conversar sobre política educacional no Brasil é perda de tempo"

Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo, escritor e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

Quem sai de um curso de licenciatura de uma faculdade particular, não raro se dirige ao mercado de trabalho e, se continua a vida no que se formou, acaba trabalhando como professor na escola pública ou particular de ensino básico. O egresso da universidade pública, por sua vez, se dirige para o mestrado e depois para o doutorado e, então, volta como professor para a universidade pública.

Esse círculo nada virtuoso está longe de qualquer abalo. Ao contrário, ele parece que até está se tornando a regra geral, com poucas exceções, em nosso país.

A hora-aula do professor do ensino público básico está em torno de sete reais. Não há uma profissão mais mal remunerada que a de professor do ensino público básico e, por isso, com tamanha falta de atratividade por parte da escola básica, os mais bem formados como professores nem pensam em trabalhar nela.

Os que se formam nas licenciaturas das universidades públicas podem não ser gênios eruditos, mas rapidamente se percebem tão melhores que a maioria dos formados em faculdades particulares que, então, desistem logo de ir para o mercado de trabalho da profissão. Os desejosos de exercer a profissão, nessa elite, se encaminham rapidamente para o ensino superior público onde iniciam com o salário que seria o correto - e talvez o mínimo - para o professor da escola básica.

Como prioridade, não há qualquer medida a ser tomada para a melhoria da educação brasileira que não seja a de se tentar quebrar esse círculo maldito. O professor melhor formado precisa voltar para o ensino básico público. Para que o recém-formado na universidade pública se dirija à escola pública e lá fique trabalhando, o salário precisa ser equiparado ao salário de entrada na universidade pública. Fora disso, conversar sobre política educacional no Brasil é perda de tempo.

Os presidenciáveis que estão aí não tocam nessa questão. Não são sérios. Nenhum deles sabe o be-a-bá das necessidades da política educacional brasileira. Pelo que mostram, não sabem e ainda por cima estão pessimamente assessorados na área educacional. Na corrida presidencial, falam em ensino técnico - a última coisa que deveria ser lembrada agora.

Mas não se pense que são só eles os ignorantes. Há ignorância também no interior da própria universidade pública a respeito desse círculo. Isso fica claro quando se escuta alguma voz universitária dizendo que a universidade está "distante da realidade" e que as licenciaturas estão "de costas para a sociedade".

As licenciaturas da universidade pública não precisam se aproximar da sociedade por meio de uma invasão da escola pública básica. Caso seja para pesquisa, tudo bem. Mas, lotar a universidade de atividades que visam resolver diretamente o problema do ensino básico é uma bobagem. A universidade forma professores e ponto. Os alunos das universidades, uma vez formados, devem se dirigir à escola básica. É assim que a universidade, na parte das licenciaturas, se relaciona com a sociedade. Cabe à política educacional viabilizar a chegada dos formados nos lugares que devem chegar.

Não cabe fazer a universidade olhar para o não funcionamento da escola básica pública e, então, querer substituí-la, seja ou por intervenção direta ou por cursos para professores já formados etc.

Aliás, o ministro Fernando Haddad está completamente equivocado em sua ação de fornecer pequenas bolsas para os professores universitários, tirando-os da pesquisa e do ensino a que já estavam destinados, para colocá-los para refazer o que supostamente não foi feito. Essa idéia de remendar a formação dos professores da rede de ensino básico é infeliz. Isso não é política educacional séria.

A política do ex-ministro Paulo Renato, agora na secretaria de Educação do Estado de São Paulo, também não é apresentável. Pois, nesse caso, não é só "cursinho da recapacitação" ou de "atualização" que a secretaria de São Paulo diz que quer promover; o que há é, sim, um sistema de provas que visa reprovar o professor, desprestigiando-o, e então recontratá-lo e colocá-lo na sala de aula com o título de "professor reprovado". Isso, realmente, não é política nenhuma, é apenas "bullying" contra o professorado. É intimidação para quebrar a coluna do movimento sindical. É briga política baixa.

Nem é de bom senso aceitar a ideia, desse mesmo secretário, da "promoção por mérito" para os professores que já são efetivos - pois do modo como São Paulo fez os beneficiados serão tão poucos e a tão duras penas que isso não provocará nenhum impacto positivo na rede.

É preciso enxergar com competência as funções do ensino superior na sociedade ocidental. O ensino superior não alfabetiza. O ensino superior não ensina no sentido da reprodução, como, em geral e corretamente, deve fazer o ensino básico. O ensino superior trabalha com a pesquisa e, por conta da evolução desta, ensina. Quando desconsideramos as especificidades da universidade e queremos que ela resolva, por ela própria, os problemas gerados pela falta de política educacional dos governos em relação ao funcionamento da escola básica, não melhoramos nada, ao contrário, criamos é mais confusão no sistema como um todo.

Poderíamos enxergar tudo isso. Mas há um bloqueio dos olhos por força das emoções ou, melhor, da covardia. Não queremos ver que estamos no que estamos. Não queremos ver que nossos políticos não sabem nada de educação. Estamos a cada dia aceitando mais e mais esses mesmos políticos, cada dia piores quanto ao entendimento dos problemas da política educacional. Eles escolherão secretários de educação e ministros da educação que, enfim, serão talvez os que, dentro da universidade, comungam com eles a mesma ignorância.




quarta-feira, 7 de julho de 2010

CNPq presta esclarecimentos sobre importações científicas

Matéria publicada na "Folha de SP" gerou questionamentos quanto ao real papel do CNPq na importação de insumos e equipamentos científicos para pesquisa
Leia a nota divulgada pela Assessoria de Comunicação do CNPq:

"Matéria publicada pela Folha de S. Paulo no dia 3/7, com o título "Nova regra dificulta ainda mais importação científica", gerou uma série de questionamentos por parte da comunidade científica quanto ao real papel do CNPq na importação de insumos e equipamentos científicos para a pesquisa.

Cabe esclarecer que o principal papel do CNPq é credenciar instituições e pesquisadores para fazer importações com o benefício da isenção de impostos. São cerca de 430 instituições e 4.334 pesquisadores credenciados. Nas importações operacionalizadas pelos credenciados, os licenciamentos de importação são registrados pelas próprias instituições ou pesquisadores e têm que ser analisados e confirmados pelo CNPq, que verifica compatibilidade de itens e quantidades. Por mês, são analisados cerca de sete mil licenciamentos de importação que totalizaram, em 2009, cerca de 590 milhões de dólares importados por instituições de pesquisa.

Assim, a maioria destas importações (98%) é feita diretamente pelas instituições e pesquisadores credenciados e o CNPq apenas verifica e autoriza as importações. Historicamente, o CNPq ainda ajuda instituições que tenham dificuldades de realizar importações próprias, realizando todo o processo de importação, incluindo o desembaraço em Brasília e subsequente transporte (aéreo e terrestre) até o destinatário. Estas operações totalizaram, em 2009, 11,8 milhões, ou seja, cerca de 2% do total de importações que o CNPq autorizou.

O CNPq, dessa forma, não começou a transferir às universidades e institutos de pesquisa a responsabilidade pelo processo de importação, como afirma a reportagem.

Para a eficiência do sistema como um todo, a prioridade é dada para a função regulatória do CNPq - ou seja, credenciamento e autorização de importações pelas instituições científicas do país - e por isso, as atividades executivas como realizar importações para algumas instituições espalhadas pelo território nacional podem ficar afetadas.

Uma atividade que tem dado resultados positivos realizada pela equipe de importação do CNPq é dar mini-cursos (2 dias) de treinamento para equipes de importação das instituições credenciadas, o que as torna muito mais eficientes na importação direta, evitando a intermediação executiva do CNPq."


terça-feira, 6 de julho de 2010

A universidade ligada ao mundo real, artigo de Lázaro Guimarães

"Dia virá em que cairão os tabus, no âmbito universitário, e o saber se revestirá da indispensável vinculação aos setores da produção e dos serviços"
Lázaro Guimarães é magistrado e professor universitário. Artigo publicado no "Correio Braziliense":

São decisivos no processo de desenvolvimento de um país os meios de colaboração entre as instituições de ensino superior e o setor produtivo da sociedade, numa integração que fortalece a academia e proporciona a inserção na economia de descobertas e avanços científicos e tecnológicos. Nos Estados Unidos, esse esforço colaborativo data do início da revolução industrial que elevou a nação à condição de grande potência.

Todas as universidades ali estão em permanente contato com o mundo empresarial, inicialmente por meio de dotações financeiras que revertem em benefícios tributários, e hoje também mediante sistemática inovadora que consiste em vínculo direto da empresa com professores e alunos na elaboração e implantação de projetos de interesse prático.

Os jornais norte-americanos referem-se às incubadoras de experiências científicas financiadas por empresas, por intermédio de centros de estudos. O New York Times cita o caso do professor Douglas P. Hart, do departamento de engenharia mecânica do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que obteve um adiantamento de US$ 1,5 milhão para realizar pesquisa destinada à criação de um assistente de audição dotado de scanner de terceira dimensão, capaz de guiar o receptor por inteiro às vibrações do ambiente.

O MIT é o instituto líder nessa nova modalidade de integração universidade-empresa, já adotada por diversas instituições que selecionam ideias, programas e projetos e os oferecem às entidades privadas e públicas que tenham interesse na sua implementação. Trata-se de um meio de comercializar a pesquisa científica que hoje envolve 26 companhias, num investimento total de US$ 87 milhões, com a criação de 180 postos de trabalho.

O Brasil ainda adota modos compartimentados de pesquisa científica, concentrada a ação acadêmica na atuação de órgãos públicos que oferecem bolsas aos participantes, selecionados por uma elite de professores doutores e de abrangência bastante restrita.

Relevante também a atuação de organismos internacionais, mas são poucas as empresas que se vinculam a entidades educacionais para a elaboração de programas de criação e comercialização de produtos. Ressalvem-se os casos de cooperação científica entre cursos superiores de computação e grandes empresas do ramo de informática.

Os gestores e os docentes universitários brasileiros estão apegados a dogmas quanto ao caráter sagrado da academia e ao temor de comprometimento com o mundo empresarial de culto ao lucro. Pensam que tais ligações teriam caráter espúrio, desvirtuariam a pureza da busca do conhecimento.

O resultado dessa visão isolacionista é o empobrecimento dos centros de ensino superior e o sucateamento dos laboratórios e salas de aula, desprovidos de equipamentos e de recursos. De um lado, a academia de sábios contemplativos, distantes das engrenagens da produção; do outro, quadros profissionais recrutados geralmente após diplomação. Assim, alunos e professores se colocam num campo neutro enquanto ensinam e estudam, para somente tratar da aplicação do conhecimento do lado de fora, munidos de diplomas que fazem o papel de ponte entre a ciência e a realidade.

Felizmente, no nível tecnológico, graças à atividade de entidades como Senai, Senac e Sesi, de há muito está superada essa concepção e as empresas encontram meios de formar quadros técnicos para suprir as suas necessidades de trabalho qualificado. Dia virá em que cairão os tabus, no âmbito universitário, e o saber se revestirá da indispensável vinculação aos setores da produção e dos serviços.

(Correio Braziliense, 6/7)

Presidente da CBF diz que não escolheu ainda sucessor de Dunga e fala que é preciso renovar a ... - O Globo Online

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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Doutores demais e profissionais de menos

por Wanderley Messias da Costa

"O país tem problemas sérios nas relações do universo acadêmico com o mercado de trabalho"
Wanderley Messias da Costa é professor titular do Departamento de Geografia da USP e um dos idealizadores do Centro de Biotecnologia da Amazônia. Artigo publicado em "O Estado de SP":

Está disponível interessante estudo realizado pelo Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) por encomenda do Ministério da Ciência e Tecnologia, Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira. Trata-se de abrangente diagnóstico sobre o desempenho da pós-graduação do país nos últimos anos, com ênfase na formação de doutores.

Por ele ficamos sabendo que o sistema nacional liderado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) teve um desempenho formidável nos últimos 15 anos, com destaque para o período 1996-2008, em que foram titulados 87 mil doutores, na taxa média de 12% de crescimento anual.

Esses resultados têm sido muito comemorados pelo governo federal e pelas universidades e os autores do estudo refletem essa onda de otimismo. Afinal, nas suas palavras, doutores "são profissionais com capacidade para realizar pesquisa e desenvolvimento (P&D) original" e, por isso, defendem a tese de que para alcançarmos o padrão dos países desenvolvidos deveríamos multiplicar por pelo menos 4,5 vezes a sua proporção em relação à população total.

Mas nem tudo são flores nessa área e temos sérios problemas nas relações da pós-graduação com o mercado de trabalho do país. O estudo aponta com precisão o que muitos de nós intuíamos, isto é, que de cada dez doutores formados no período 1996-2006 e empregados em 2008, oito estão trabalhando em educação (principalmente nas universidades públicas), um na administração pública e um nas empresas privadas. Aí está o amargo reverso da moeda, em que virtudes podem tornar-se pecados.

É evidente que implantamos um sistema eficiente para produzir doutores, mas ele tem o grave defeito de ser excessivamente acadêmico e autocentrado e, portanto, descolado do mercado de trabalho e da economia real do país.

Os dirigentes do Ministério da Educação (MEC) e da Capes podem argumentar, com razão, que o papel da agência criada para promover o "aperfeiçoamento de pessoal de ensino superior" tem sido cumprido. E as universidades (principalmente as públicas), com os seus atuais 2.718 programas de pós-graduação, apontarão para a comprovada correlação dessa atividade (e a atuação dos seus doutores) com o aumento da produção científica. Afinal, esses docentes pesquisam, publicam papers e ainda podem formar mestres e doutores, e por isso elas definiram essa titulação como pré-requisito para o ingresso de docentes em seus concursos públicos.

Há os que se preocupam com o futuro desse sistema e recomendam que na elaboração do próximo Plano Nacional de Pós-Graduação seja também contemplada a formação de recursos humanos para o mercado de trabalho "extra-acadêmico". Lembro, entretanto, que essa diretriz consta do atual plano quinquenal e que se avançou pouquíssimo nesse terreno.

Indicador positivo seria o crescimento de 0,95% para 1,98%, no período, do número de doutores empregados na indústria de transformação. Mas sejamos razoáveis. Além de irrisório, esse desempenho é implacavelmente ofuscado por outro: o contingente de doutores na administração pública passou de 8.5% para 14%, reflexo da expansão do setor público nos últimos anos.

Mantidas as características desse sistema, é certo que teremos problemas para absorver as novas safras de jovens doutores que as universidades continuarão a produzir em ritmo crescente. Como os seus maiores empregadores no país até o momento, as universidades federais tiveram enorme expansão no atual governo, em que dobraram a oferta de vagas em seus cursos de graduação e ampliaram muito as suas atividades de pós-graduação.

Mas há sinais de esgotamento no ensino superior do país - como as sobras de vagas - e é certo que esse ritmo de expansão não será mantido, assim como o das despesas com pessoal na administração pública. Por outro lado, cerca de 40% dos recém-doutores formados nos dois últimos anos ainda não estão empregados e esse pode ser o sinal amarelo que nos alerta para esse início de reversão.

Resta o mercado de trabalho das empresas privadas, mas esse é um terreno pouco conhecido, praticamente inexplorado e por vezes hostilizado pelo universo acadêmico. Sobre o tema dos recursos humanos qualificados, sabemos, por exemplo, que os empresários se queixam muito de que o país carece de engenheiros.

Outro indicador do comportamento das empresas é que mesmo em atividades de pesquisa tem sido escasso o seu interesse na contratação de doutores com perfil acadêmico e vocação para cientista e por isso estes são minoria mesmo em grandes centros de P&D, como o Cenpes da Petrobrás e o CTC da indústria sucroalcooleira.

Especialistas asseguram que hoje em dia grandes empresas preferem recrutar estagiários ou jovens recém-formados que, após rigorosa seleção e na condição de trainees, receberão formação e treinamento complementares. Ao lado da qualificação técnica dos novos profissionais, elas investem na transmissão de valores da cultura empresarial e, nos últimos tempos, dão grande ênfase à gestão de negócios para todo o universo dos seus recursos humanos. Daí por que tendem a valorizar mais certificados de MBA obtidos em instituições de renome nacional e internacional do que títulos acadêmicos como os de mestre e doutor.

Em suma, o próximo governo e as universidades têm um enorme desafio pela frente e é preciso que levem em conta os muitos sinais de mudanças no país e as novas demandas por educação superior. Afinal, vitoriosos na produção de doutores de alto nível, por que não aplicarmos essa receita de sucesso para formar os profissionais de que carece esse novo mercado de trabalho?

FONTE: O Estado de SP, 2/7